OBRIGATORIEDADE DE O PEDIDO SER LÍQUIDO, QUANDO SE BUSCA OBTER PROVIMENTO CONDENATÓRIO.

SISTEMA PROCESSUAL DO JUIZADO ESPECIAL DE FAZENDA PÚBLICA – LEI FEDERAL 12.153/2009. REGRAS ESPECÍFICAS A ESSE SISTEMA. OBRIGATORIEDADE DE O PEDIDO SER LÍQUIDO, QUANDO SE BUSCA OBTER PROVIMENTO CONDENATÓRIO. DIREITO A UM PROCESSO JUSTO E CARÊNCIA DE AÇÃO POR INADEQUAÇÃO INSTRUMENTAL. APLICAÇÃO DO ART. 51, II, DA LEI 9.099/1995.

Vistos.

 

Há razão que no que obtempera a ré, no sentido de que é excessivo o número de autores que compõem esta demanda, o que evidentemente compromete os princípios da simplicidade e da celeridade, que são nucleares no sistema processual que foi instituído  pela Lei federal de número 12.153/2009.

 

Mas há ainda um outro ponderoso aspecto a considerar-se.

 

Com efeito, os autores são servidores públicos estaduais e buscam obter provimento condenatório, de modo que se lhes exigia formulassem pedido líquido, condição necessária não apenas para aferir da competência, mas sobretudo porque, no particular sistema processual em que estão, a sentença, se acolher o pedido, terá que ser líquida. Ocorre, entrementes, que os autores não cuidaram observar tal regra legal, e disso deveriam ter se desincumbido tão logo tomaram conhecimento do que o egrégio Tribunal de Justiça decidira em conflito de competência. Não podem os autores, portanto, alegar uma injusta violação a seu direito a um processo justo, porque tiveram tempo suficiente a proceder as alterações necessárias na peça inicial, para nomeadamente nela formularem pedido líquido.

 

Daí prever a regra do artigo 51, inciso II, da Lei federal de número 9.099/1995 (aplicada subsidiariamente aos processos da competência do Juizado Especial de Fazenda Pública) que o processo será extinto, sem resolução do mérito, quando inadmissível o procedimento.  Trata-se, pois, de uma regra que busca garantir o direito fundamental “a um processo justo”.

 

Com efeito, não apenas por força de regra legal, mas devido a um aspecto de natureza lógica, nas ações de competência do Juizado Especial de Fazenda Pública, quando o provimento jurisdicional pretendido pelo autor for de natureza condenatória, o pedido há que  ser líquido, porque o critério nuclear de definição da competência do Juizado é o do valor da causa, e o valor da causa, como enfatizava Liebman, é quantificado de acordo com o pedido. Daí se justificar que, sem o valor do pedido, o provimento jurisdicional condenatório não possa ser emitido em processos da competência do Juizado Especial de Fazenda Pública.

 

Ao impor a obrigatoriedade de o pedido de natureza condenatória ser líquido, considerou o Legislador que, sem essa regra impositiva, a finalidade da criação do Juizado Especial de Fazenda Pública poderia restar frustrada, por permitir a utilização de um sistema processual mais abreviado e mais célere por quem, a rigor, não poderia utilizar-se desse sistema, já que o valor da sua pretensão superaria o do limite legal. Assim, para obviar ao limite de valor, bastaria que o autor não quantificasse o pedido, deixando-o para o fazer apenas na fase de cumprimento da sentença, quando a competência do Juizado Especial de Fazenda Pública já tiver sido fixada, caso em que a sua competência para a execução de seu próprio julgado prevaleceria. Daí que, consultada a finalidade de criação do Juizado Especial de Fazenda Pública, a perfeita adequação da regra legal que impõe ao autor formule pedido líquido, quando estiver a formular pedido de natureza condenatória.

 

Considere-se, pois, que os autores não limitam seu pedido à declaração de inexistência de uma relação jurídico-material, senão que querem obter a restituição de valores, o que qualifica o provimento jurisdicional que querem obter como de natureza condenatória.

 

Assim, como os autores não formularam pedido condenatório de natureza líquida, o provimento jurisdicional, caso a pretensão fosse declarada procedente, não poderia, por óbvio, ser líquido, ou seja, não se poderia quantificar o valor da condenação, e sem isso não se poderia determinar se o sistema processual da Lei federal de número 12.153/2009 permitiria ou não o exame da relação jurídico-processual em toda a sua extensão e peculiaridade.

 

Conclui-se, portanto, pelas razões expostas,  que o procedimento adotado não é compatível com o exame da relação jurídico-material e da pretensão, o que conduz a que este processo deva ser extinto – e extinto sem resolução do mérito, o que atende ao direito a um processo justo, na medida em que os autores não terão contra si formada a coisa julgada material, possibilitando-lhes busquem um processo e um procedimento azados ao exame da relação jurídico-material em que fundamentam a sua pretensão. (Para a escolha desse procedimento e desse procedimento, ponderarão os autores, certamente, se é conveniente a formação do litisconsórcio, e principalmente se devem buscar antes obter os elementos de informação que lhes permitiam a quantificação do valor do pedido.)

 

Importante destacar que não se está aqui a decidir acerca da competência deste Juizado Especial da Fazenda Pública o exame da causa (e sobre essa questão, aliás, não se poderia mesmo decidir diante do v. Acórdão que fixou tal competência),  senão que aqui se decide, pelas razões expostas, que o procedimento adotado não permite atender à regra legal que exige que o pedido de natureza condenatória seja líquido.

 

Destarte, seja por aquela razão que a ré invoca, seja nomeadamente porque não pedido líquido, é de rigor a extinção deste processo, sem resolução do mérito, nos termos da aplicação subsidiária do artigo 51, inciso II, da Lei federal de número 9.099/1995. Ou seja, porque há inadequação instrumental, e por isso o interesse de agir não se revela presente.

 

POSTO ISSO, porque caracterizada a ausência do interesse de agir, declaro a extinção deste processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil.

 

Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelos autores de ato de litigância de má-fé, não se lhes pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.

 

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

 

São Paulo, em 5 de outubro de 2018.

 

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

JUIZ DE DIREITO