REAJUSTE A SERVIDOR PÚBLICO.

DISCUSSÃO ACERCA DA MORA DO PODER PÚBLICO EM APLICAR A REVISÃO GERAL ANUAL. NECESSIDADE DE OBSERVAR-SE UM “PROCESSO JUSTO” NAS AÇÕES DE COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL DE FAZENDA PÚBLICA, EM ESPECIAL NO CAMPO PROBATÓRIO. “NON LIQUET” CARACTERIZADO EM RAZÃO DA NECESSIDADE DA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL CONTÁBIL COMPLEXA. CARÊNCIA DE AÇÃO RECONHECIDA.

Processo número 1047095-54.2017

3ª. Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública

Comarca da Capital

 

 

Vistos.

 

Há duas matérias, uma delas de conteúdo fático, imbrincadas nesta demanda ajuizada por (…), qualificado a folha 1, pois que o autor, servidor público estadual, está a afirmar uma injustificada mora de parte da ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no promover a revisão do valor de seus vencimentos a partir do exercício de 2015, de modo que se judicialmente se defina o índice de reajuste a aplicar-se, indicando o autor que para tanto se faça adotar a variação do “INPC – IBGE”.

 

Citada, a ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, contestando, afirma, quanto ao mérito da pretensão, que não cabe ao Poder Judiciário aumentar vencimentos, quando não há lei que o tenha previsto, como no caso.

 

Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.

 

De primeiro, é necessário adscrever que não se discute nesta demanda sobre a relação jurídico-material acerca da qual o egrégio Supremo Tribunal Federal fez instalar o incidente de repercussão geral, o que ocorreu no recurso extraordinário de número 905.357- Roraima.

 

A relação jurídico-material não revela a presença de uma complexidade fático-jurídica em grau tão acentuado que pudesse descaracterizar a incompetência desta Vara de Juizado especial de Fazenda Publica, porque basta aplicar a essa mesma relação as normas (regras e princípios) que formam o nosso Ordenamento Jurídico em vigor, para decidir a matéria jurídica que radica no perscrutar se há ou não mora da ré no proceder à revisão do valor da remuneração do autor, e se essa mora, em existindo, pode ser qualificada juridicamente como injustificada, ou não. Mas há uma matéria relacionada a essa, e de conteúdo fático, cujo desimplicar se mostraria indispensável realizar se uma conduta injustificada omissiva da ré configurar-se, porque então seria necessário definir que índice de reajuste salarial beneficia o autor.

 

Daí que se reconhece que ambas as matérias estão imbrincadas e não podem ser cindidas sob pena de este processo não poder ser qualificado como um “processo justo”, que é exigência do devido processo legal, pois como enfatiza DINAMARCO, “processo justo é o processo que produz soluções justas”. (“Instituições de Direito Procesual Civil”, v. I, p. prefácio, 5ª. Edição, Malheiros editores).

 

Com efeito, consideremos a seguinte hipótese: reconhece-se que há mora da ré e que essa mora é injustificada, o que conduziria a reconhecer o direito do autor a obter os efeitos de uma revisão no valor de seus vencimentos a partir do exercício fiscal de 2015, emitindo-se aí um provimento jurisdicional meramente declaratório. Ocorre, contudo, que a pretensão do autor não se circunscreve a que se reconheça e se declare a mora, porque pretende também e nomeadamente que se defina o índice de reajuste e que esse reajuste implemente-se na prática, o que conduziria à necessidade de se definir esse índice de reajuste, o que constitui uma matéria fática, cujo desimplicar tornaria necessário produzir uma prova pericial, cuja modalidade não pode ser a de um mero exame técnico (única modalidade de perícia permitida nas ações de competência do Juizado especial de Fazenda Pública, conforme expressamente determina o artigo 10 da Lei federal de número 12.153/2009).

 

Assim, este processo não poderia dar uma solução justa, porque não sendo possível realizar-se a perícia na modalidade adequada e exigida, o autor  poderia, no máximo, obter a declaração de que há mora e de que ela é injustificada, e nada mais que isso, a obrigá-la a buscar outra ação, cujo campo cognitivo lhe permitisse produzir um tipo de perícia que nesta ação não pode ser realizada.

 

Isso não quer dizer que não haja competência desta Vara de Juizado especial de Fazenda Pública, senão que, no exercício dessa competência, declarar-se-ia o “non liquet” em decorrência de uma limitação probatória que a Lei federal de número 12.153/2009 impôs e que decorre da prevalência dos princípios da simplicidade e da celeridade. Destarte, a solução a adotar-se, para que se respeite a necessidade de um “processo justo”, é a de se reconhecer a carência da ação por ausência do interesse de agir em sua modalidade adequação instrumental ao exame da relação jurídico-material em toda a sua inteireza. Cabe acentuar que a adequação instrumental que forma o predicado do interesse de agir é de se aferida também quanto ao grau do campo probatório de uma ação.

 

POSTO ISSO, nos termos do artigo 485, inciso VI, do novo Código de Processo Civil, por força da ausência do interesse de agir, declaro a extinção deste processo, sem resolução do mérito.

 

Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelo autor de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.

 

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

 

São Paulo, em 14 de dezembro de 2017.

 

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

JUIZ DE DIREITO