RECUSA EM SE SUBMETER AO TESTE DE DOSAGEM ALCOOLICA.

INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA AUTÔNOMA. COLISÃO ENTRE A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O DIREITO DO ESTADO DE LEGISLAR SOBRE TRÂNSITO. INTERPRETAÇÃO DO CONTEÚDO E ALCANCE DAS NORMAS EM CONFLITO.

Processo número 1042278-44.2017

3ª. Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública

Comarca da Capital

 

 

Vistos.

 

A acoimar a validez do procedimento de suspensão do direito de dirigir que lhe foi instaurado, sustenta o autor, (…), qualificado a folha 1, que, diante da presunção de inocência que a Constituição da República de 1988 confere, não subsiste a autuação, porque não estaria obrigado a submeter-se a exame de dosagem alcóolica, e a recusa não pode configurar infração de trânsito, o que retiraria a justa causa ao procedimento de suspensão do direito de dirigir.

 

Citado, o réu, DEPARTAMENTO ESTADUAL DE TRÂNSITO – DETRAN/SP, contestou, sustentando que a recusa a se submeter ao exame de dosagem alcóolica, praticada pelo autor, constitui infração administrativa autônoma, e, considerada pelo Código Nacional de Trânsito como de natureza grave, conduz à instauração do procedimento de suspensão do direito de dirigir, como sucedeu no caso do autor. Fez noticiar o réu, outrossim, que já se esgotou a esfera recursal administrativa.

 

Registre-se que foi negada a tutela provisória de urgência, e não se noticiou a interposição de recurso.

 

Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.

 

Improcedente o pedido.

 

Há que se considerar que o Código Nacional de Trânsito, em seu artigo 277, parágrafo 3º., estabeleceu a consequência jurídico-legal para a conduta do condutor que se recusa em se submeter ao teste ou exame de dosagem alcóolica, configurando essa conduta como suporte fático-jurídico de uma infração autônoma, tratando-se, pois, de uma  consequência jurídico-legal que se justifica, porquanto não há aí nenhuma ilegalidade formal ou mesmo material, mas sim de uma consequência jurídico-legal que é consentânea com  a prevalência do princípio nuclear de proteção à segurança de todos no trânsito, com base no qual se revela legítimo – e justificado – que a Lei tenha conferido aos órgãos de trânsito o poder de fazerem submeter os condutores de veículo automotor a teste ou exame de dosagem alcóolica, e que no caso em que houver recusa, que façam suportar uma penalidade ou medida administrativa.

 

Quanto ao que argumenta o autor, no sentido de que a Constituição da República de 1988 garante a presunção de inocência, para não obrigar que se faça prova contra si mesmo, há que observar que nenhum princípio em nosso Ordenamento Jurídico é absoluto, de modo que, em havendo colisão entre o conteúdo de princípios jurídicos e entre princípios jurídicos e posição jurídica estatal, impor-se-á ao Poder Judiciário, exercendo a atividade jurisdicional em um caso em concreto, faça extrair  entre princípios jurídicos o conteúdo  que formará cada um dos princípios e direitos que estejam a colidir, fixando nesse conteúdo o alcance de cada um. Importante observar que não se trata aí de ponderar interesses em conflito, o que ocorre quando o juiz aplica o princípio da proporcionalidade, mas de fixar o conteúdo e o alcance de cada princípio jurídico, atividade que é de natureza hermenêutica.

 

Assim, no caso presente, como há o conflito entre o princípio da presunção de inocência, invocado pelo autor, e o direito do Poder Público de legislar sobre trânsito, estatuindo a forma como melhor lhe aprouver para disciplinar tal matéria (CF, artigo 22, inciso XI), há a necessidade de, interpretando, fixar-se o conteúdo e o alcance tanto do princípio invocado pelo autor, quanto do direito do Estado em fazer aplicada a Legislação em vigor, de modo que se pode concluir que a presunção de inocência que a norma constitucional prevê apenas garante que ninguém seja obrigado a produzir prova contra si mesmo, erigindo-se aí uma posição jurídica, que, contudo, como sucede  a qualquer posição jurídica, não exime aquele que a adota de suportar as consequências jurídicas que a Lei preveja (pode-se, a título de exemplo, mencionar-se o caso da revelia: o réu não está obrigado a contestar, mas a Lei Processual Civil fixa uma consequência jurídico-legal da revelia decorrente). Destarte, o não estar o autor compelido a produzir prova contra si mesmo, a dizer, não estar obrigado a se submeter ao exame de dosagem alcóolica, é um direito subjetivo que a Constituição da República de 1988 confere-lhe, mas o conteúdo e o alcance desse direito não obstam que o Legislador fixe determina consequência jurídico-legal quando a recusa ocorre, cabendo observar que a norma do Código Nacional de Trânsito não presume que o condutor que se recusou a se submeter ao teste estivesse embriagado, mas validamente preceitua que essa conduta configura uma infração administrativa autônoma, caracterizada no ato de se recusar ao exame.

 

E como se trata de uma infração administrativa de natureza grave, conforme assim a classificou o Código Nacional de Trânsito, havia justa causa a que o réu instaurasse contra o autor o procedimento de suspensão do direito de dirigir. Importante observar que esse procedimento já foi concluído, e a fase recursal administrativa já se encontra encerrada, de modo que não há óbice a que a penalidade aplicada ao autor tenha toda eficácia.

 

POSTO ISSO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, declarando  extinto este processo, com resolução do mérito, por aplicação subsidiária do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.

 

Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelo autor de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.

 

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

 

São Paulo, em 13 de dezembro de 2017.

 

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

JUIZ DE DIREITO