Vistos.
A autora (…), qualificada a folha 2, é servidora pública estadual, ocupante do cargo de escrevente técnico judiciário, e, estando a receber a vantagem pecuniária denominada “Adicional de Qualificação”, instituída pela Lei Complementar- SP de número 1.217/2013, sustenta que a deveria ter recebido desde o momento da entrada em vigor da referida Lei, conforme prevê seu artigo 13, o que, contudo, não sucedeu, porque a vantagem pecuniária foi-lhe paga apenas a partir do Comunicado de número 263, de 25 de fevereiro de 2015, emanado do Tribunal de Justiça deste Estado, pugnando, pois, nesta demanda que ajuizou contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, que se lhe reconheça tal direito, com todos os reflexos dele decorrentes.
Questiona a autora, outrossim, a base de cálculo que está sendo adotada ao pagamento da referida vantagem pecuniária, afirmando que se deva considerar, para esse fim, o valor dos vencimentos iniciais do cargo que ocupa, o que deve abarcar todas as gratificações recebidas e incorporadas.
Citada, a ré contestou, argumentando que o artigo 3º. da Lei Complementar 1.217/2013 foi expresso no estatuir que os efeitos pecuniários relativos ao Adicional de Qualificação somente surgiriam com a publicação oficial do ato administrativo específico, que concede tal vantagem pecuniária, o que sobre atender a referida regra legal, ainda se harmoniza com a necessidade de se observar o limite de despesas de pessoal. E quanto à base de cálculo do Adicional de Qualificação, afirma que ela deverá corresponder ao salário-base do cargo ocupado pelo servidor público, com o acréscimo apenas dos décimos incorporados.
Assim se coloca, em poucas linhas, a demanda em seu conteúdo, e nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.
São duas as pretensões que a autora formula nesta demanda: a primeira diz respeito ao termo inicial a fixar-se ao pagamento do Adicional de Qualificação; a segunda pretensão refere-se à base de cálculo dessa vantagem pecuniária.
Registrando-se que não há matéria preliminar pendente de análise, analisemos o mérito de ambas as pretensões.
Quanto ao termo inicial a fixar-se ao pagamento do Adicional de Qualificação.
A Lei Complementar 1.217, de 12 de novembro de 2013, alterando a Lei Complementar 1.111/2010, que instituíra o “Plano de cargos e carreiras dos servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”, criou uma nova vantagem pecuniária, denominando-a de “Adicional de Qualificação”, a que faz jus o servidor público desse Tribunal que, em razão dos conhecimentos adicionais adquiridos, comprovados por meio de títulos, diplomas ou certificados, tenha concluído curso de graduação ou de pós-graduação, em sentido amplo ou estrito.
Como o artigo 3º da Lei Complementar 1.217 estabelece que o efeito pecuniário decorrente do Adicional de Qualificação somente se dá a da partir da publicação da concessão expressa da referida vantagem pecuniária, e como o artigo 13 dessa mesma Lei fixou a data de 1º. de dezembro de 2013 como aquela a partir da qual se produziriam os efeitos desse Diploma, instalou-se uma controvérsia acerca do termo inicial que se deve considerar para o Adicional de Qualificação, e que forma o objeto de discussão nesta lide.
Ao desimplicar dessa questão, sobreleva atentar a que a Lei Complementar 1.217 não cuidou apenas de instituir o Adicional de Qualificação, senão que também tratou de outras matérias, ao regular, por exemplo, a escala de vencimentos que se deve adotar aos cargos em comissão, e à extinção de determinados cargos na estrutura do Tribunal de Justiça. Daí o cuidado que o intérprete deve ter ao definir o conteúdo e o alcance do artigo 13, que fixou em 1º. de dezembro de 2013 a data em que a Lei 1.217 produziria efeitos, lembrando-se que, como advertem os estudiosos da Hermenêutica Jurídica, as normas jurídicas não podem ser interpretadas isoladamente, mas sempre dentro de um determinado sistema, que por ror vezes significa interpretar um dispositivo em conjunto com os demais dispositivos que formam uma mesma lei.
Adotada essa cautela, o intérprete deve considerar que, em relação específica ao Adicional de Qualificação, o Legislador estabeleceu, no artigo 3º. da Lei 1.217: “O Adicional de Qualificação (…) somente surtirá efeito pecuniário a partir da publicação da concessão expressa (…)”. Donde se exigirá ao intérprete leve em consideração também o que determinou o artigo 3º., quando esteja a cuidar de extrair o conteúdo e alcance do artigo 13 da mesma Lei 1.217. Conteúdo e alcance que foram, portanto, limitados pelo que dispõe o artigo 3º., no que concerne especificamente ao Adicional de Qualificação.
De maneira que se deve concluir, interpretando em seu conjunto ambos os dispositivos, que no caso particular do Adicional de Qualificação, a produção de seus efeitos pecuniários somente surge quando se dá a concessão, em ato administrativo específico e concreto, de tal vantagem pecuniária, porque é apenas com a publicação oficial desse ato administrativo que se tem a certeza (jurídica) de que o servidor cumpriu todos aqueles requisitos legais exigidos à obtenção do Adicional de Qualificação.
Aquele prazo, previsto no artigo 13, é de natureza geral, portanto, e cede passo à regulação específica do artigo 13, quando se trata do Adicional de qualificação.
De resto, como se tratava da criação de uma nova vantagem pecuniária, o Legislador, bem avaliando o impacto que envolveria as despesas que decorreriam da sua implantação, tomou o cuidado de fixar o termo inicial à data em que o ato administrativo de concessão específica da vantagem pecuniária, a permitir uma previsão orçamentária que viesse a contemplar essa nova despesa de pessoal.
Improcedente, pois, o pedido que a autora formulou quanto a fixar-se o termo inicial do Adicional de Qualificação à data de 1º. de dezembro de 2013.
Quanto à base de cálculo do Adicional de Qualificação.
O artigo 37-B da Lei 1.217/2013 estabeleceu, como base de cálculo dessa novel vantagem pecuniária, o valor correspondente aos “vencimentos brutos equivalentes à base de contribuição previdenciária do carto em que o servidor estiver em exercício”. Isso nos remete à Lei Complementar – SP de número 1.012/2007, que em seu artigo 8º. definiu a base de cálculo da contribuição previdenciária.
Assim, no Estado de São Paulo, por força da Lei 1.012, a contribuição previdenciária paga pelos servidores públicos, é calculada com base no total dos vencimentos do cargo efetivo, o que significa dizer, que ela incide sobre o “vencimento” do cargo, incidindo também sobre todas as vantagens pecuniárias que o servidor público estadual receba – vantagens pecuniárias que, somadas ao valor do “vencimento”, expressam o que essa Lei define como “vencimentos” do cargo.
Há que se distinguir, pois, entre “vencimento”, que corresponde ao valor do salário-base correspondente ao cargo, e “vencimentos”, que para efeito da incidência da contribuição previdenciária, representam a soma do salário-base e mais as vantagens pecuniárias recebidas pelo servidor público. A respeito, observa HELY LOPES MEIRELLES:
“Vencimentos (no plural) é espécie de remuneração e corresponde à soma do vencimento e das vantagens pecuniárias, constituindo a retribuição pecuniária devida ao servidor pelo exercício do cargo público. Assim, o vencimento (no singular) corresponde ao padrão do cargo público fixado em lei, e os vencimentos são representados pelo padrão do cargo (vencimento) acrescido dos demais componentes do sistema remuneratório do servidor público (…). Esses conceitos resultam, hoje, da própria Carta Magna, como se depreende do art. 39, §1º. I, c/c art. 37, X, XI, XII e XV”. (“Direito Administrativo Brasileiro”, p. 427, 24ª. edição, Malheiros editores).
Destarte, em tendo o artigo 37-B fixado como base de cálculo do Adicional de Qualificação o valor dos vencimentos (brutos), base da contribuição previdenciária, e como a base da contribuição previdenciária aplicada aos servidores públicos do Estado de São Paulo, segundo o que determina a Lei Complementar 1.012/2007, corresponde aos vencimentos do cargo, o que significa dizer que a contribuição previdenciária incide sobre o valor do salário-base somado a das vantagens pecuniárias que o servidor recebe, e como o artigo 37, inciso XIV, veda que os acréscimos pecuniários (a dizer, quaisquer vantagens pecuniárias) componham a base de cálculo de outros acréscimos financeiros, isso nos autoriza concluir que o Adicional de Qualificação deve ser pago de acordo com o salário-base (sobre o “vencimento”, pois).
Importante destacar, outrossim, que não se há confundir “salário-base” com “salário-padrão”. Este vem a ser o valor correspondente ao cargo e a carreira a que ele se integra, segundo uma tabela genérica, enquanto o salário-base corresponde à remuneração básica daquele específico servidor público. Assim, como o Adicional de Qualificação não corresponde ao cargo, mas à qualificação do servidor, sua base de cálculo deve corresponder ao que se recebe a título de salário-base (que vem a ser o que se deve entender por “vencimento”), excluídas, nesse cálculo, todas as vantagens pecuniárias que o servidor público receba, as quais não podem ser aproveitadas na base de cálculo de qualquer outra vantagem pecuniária, de acordo com a regra do artigo 37, inciso XIV, da Constituição de 1988.
Quanto aos “décimos” de que trata o artigo 133 da Constituição do Estado de São Paulo, há a necessidade do exame dessa matéria, sobretudo em face do que veio a se decidir em incidente de uniformização de jurisprudência. Há que se considerar, pois, a natureza jurídica desses “décimos”, que representam um valor que o servidor público incorpora à sua remuneração depois de ter exercido, por mais de cinco anos, uma função distinta daquela inerente à de seu cargo. Trata-se, pois, de uma vantagem pecuniária do tipo “gratificação de serviço”, apenas com a nota de que se trata de uma vantagem pecuniária que se incorpora aos vencimentos, conforme prevê o artigo 133 da Constituição do Estado de São Paulo. Mas o fato de incorporar-se aos vencimentos não descaracteriza sua natureza jurídica, que continua a ser a de uma vantagem pecuniária, o que faz considerar necessária a aplicação da regra do artigo 37, inciso XIV, da Constituição da República de 1988, que veda que qualquer acréscimo financeiro componha a base de cálculo de qualquer outro acréscimo financeiro. Assim, como os “décimos” constituem uma vantagem pecuniária, eles não podem integrar a base de cálculo de qualquer outra vantagem pecuniária, não podendo, pois, integrar a base de cálculo do Adicional de Qualificação. A propósito, vale lembrar a importante observação feita pelo conhecido juspublicista, HELY LOPES MEIRELLES, no sentido de que o fato de a Lei autorizar a incorporação definitiva de uma determinada vantagem pecuniária não significa que se tenha autorizado a “acumulação de adicional sobre adicional”. Tal acumulação, diz ele, somente poderia ser estabelecida por disposição expressa de lei (Estudos e Pareceres de Direito Público, v. II, p. 254, RT, 1977). Assim, ainda que uma vantagem pecuniária possa incorporar-se aos vencimentos, isso não autoriza que o valor possa integrar a base de cálculo de qualquer outra vantagem pecuniária.
Assim, como a autora está a pretender, nesta demanda, que se fixasse a base de cálculo do Adicional de Qualificação correspondente ao valor de seus vencimentos (a dizer, vencimento mais as vantagens pecuniárias, excluindo-se apenas os quinquênios), é improcedente a pretensão que formula. Mas é necessário ressaltar que, considerando o limitado campo cognitivo das ações que se processam no Juizado especial de Fazenda Pública, e que nesse sistema processual impõe-se seja o pedido líquido, não cabe aqui analisar se o pagamento do Adicional de Qualificação está sendo feito de acordo com o salário-base que a autora recebe, ou se estaria a ser pago sobre o valor do padrão do cargo (o que como se viu são institutos distintos), de modo que não se forma coisa julgada sobre essa matéria, aqui não apreciada.
POSTO ISSO, JULGO IMPROCEDENTES as pretensões, declarando a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.
Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pela autora de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.