ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. OBRIGAÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO DE RESTITUIR O QUE RECEBEU SEM JUSTA CAUSA. APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL

Processo número 1010793-31.2014

Juízo de Direito da 10ª Vara da Fazenda Pública

Comarca da Capital

 

Vistos.

 

Cuida-se de mandado de segurança impetrado por (…), qualificada a folha 1, contra ato administrativo emanado do senhor DIRETOR TÉCNICO DE DIVISÃO, da Divisão Seccional de Despesa de Pessoal, órgão da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, que lhe impôs o desconto em seus proventos de valores recebidos entre julho de 2011 e janeiro de 2012, sustentando a impetrante que, em tendo recebido tais valores com boa-fé, não pode ser obrigada a restitui-los aos cofres públicos.

 

A peça inicial está instruída com a documentação de folhas 9/48.

 

Gratuidade concedida (folha 50).

 

Concedida a medida liminar (folha 50); não se registra a interposição de recurso.

 

Notificada, prestou informações a Autoridade impetrada, arguindo sua ilegitimidade e defendendo a validez do ato impugnado, aduzindo que a impetrante, por exercer a função de vice-diretora de escola, recebia uma determinada vantagem pecuniária, a que não mais fazia jus a partir do momento em que, tendo requerido sua aposentação, afastou-se do trabalho, de modo que se lhe está a exigir a restituição de valores que recebeu indevidamente (folhas 56/59).

 

Declinou de intervir o MINISTÉRIO PÚBLICO (folhas 65/66).

 

É o RELATÓRIO.

 

FUNDAMENTO e DECIDO.

 

Muito embora não houvesse nenhuma regra legal autorizativa, firmou-se na jurisprudência brasileira o entendimento de que o servidor público não é de ser obrigado a ressarcir aos cofres públicos valores que recebeu indevidamente, se os recebeu “com boa-fé”. Mas além de não haver nenhuma regra legal em nosso Ordenamento jurídico que legitimasse tal entendimento jurisprudencial, tem-se ainda a considerar que esse entendimento olvida de um consolidado princípio geral e que, por tão consolidado, tornou-se  regra em nosso Código Civil de 2002, que em seu artigo 884, estabelece que: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”. Regra geral do Código Civil que se aplica inclusive às relações que a Administração mantém com seus servidores públicos.

 

Segundo essa regra geral, veda-se o enriquecimento sem causa. A dizer: aquele que, sem justa causa, recebe indevidamente algum valor, deve ressarci-lo, corrigido monetariamente. Note-se que tal regra não se refere a nenhum elemento subjetivo no ato de receber, bastando que se considere não haver nenhuma causa que o legitimasse juridicamente, para obrigar a restituição. Assim, o entendimento jurisprudencial referido não pode mais prevalecer, porque desatende à referida regra geral.

 

Mas ainda que se pudesse considerar o elemento subjetivo (a boa-fé), no caso presente ela não se configura, de modo que a obrigação da impetrante de restituir o que indevidamente recebeu é de prevalecer. Com efeito, a impetrante exercia desde março de 2006 as funções de vice-diretora de uma escola, e recebia por conta dessa nova função uma vantagem pecuniária, e tinha perfeito conhecimento de que ao requerer a aposentação voluntária, seria em breve afastada de seu trabalho, o que efetivamente ocorreu a partir de 1º. de julho de 2011, quando, já afastada (afastamento, aliás, que a impetrante, ela própria, requereu, conforme faz prova o documento de folha 33), aguardou o processamento de sua aposentadoria. Tinha a impetrante, nessas circunstâncias,  pleno conhecimento de que não poderia receber por uma função que não mais exercia, e isso infirma a sua alegação de boa-fé.

 

De maneira que é perfeitamente legal o ato administrativo de estorno,  que  obriga a impetrante  a ressarcir aos cofres públicos valores que, sem justa causa, recebeu, seja porque há regra geral que veda o enriquecimento sem causa, seja porque não se configura a boa-fé. Observe-se, outrossim, que a Administração fez validamente instaurar um procedimento, no qual cuidou notificar a impetrante dos estornos.

 

POSTO ISSO, por inexistir o direito subjetivo invocado pela impetrante (…), DENEGO a ordem de segurança, declarando a extinção deste mandado de segurança, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil. Cessa imediatamente a eficácia da medida liminar. Comunique-se, com urgência, a Autoridade impetrada para as devidas providências.

 

Gratuidade concedida à impetrante, não pagará ela a taxa judiciária ou despesa processual. Em mandado de segurança, não há condenação em honorários de advogado.

 

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

 

São Paulo, em 27 de março de 2017.

 

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

JUIZ DE DIREITO