Processo número 0041738-86.2013
Juízo de Direito da 10ª Vara da Fazenda Pública
Comarca da Capital
Vistos.
Discute-se nestes embargos acerca da aplicação do artigo 5º. da Lei federal de número 11.960/2009 ao cômputo da correção monetária, matéria de direito que é provocada pela embargante, MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, em face do processo de execução que lhe promove (…). O excesso apontado nestes embargos é da ordem de R$123,48 (cento e vinte e três reais e quarenta e oito centavos) – excesso, contudo, que o embargado nega ocorrer, sustentando que o egrégio Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ações diretas de inconstitucionalidade número 4.357 e 4.425, e modulando seus efeitos, considerou válido o índice básico da caderneta de poupança (“TR – Taxa Referencial”), para aplicação, contudo, até 25 de março de 2015 (folha 12).
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO e DECIDO.
De fato, o egrégio Supremo Tribunal Federal, julgando as ações diretas de inconstitucionalidade de número 4.357 e 4.425, ao analisar como um todo o regime de precatórios que fora fixado pela Emenda constitucional de número 62/2009, analisou nesse contexto acerca da constitucionalidade da Lei federal de número 11.960/2009, embora circunscrita tal matéria à sua aplicação àquele regime (de precatórios), decidindo-se assim que a Lei federal de número 11.960/2009, por violar “o direito à propriedade”, revelava-se inconstitucional, e por isso não pode ser aplicada ao cômputo da correção monetária e dos juros de mora. Posteriormente, modulando os efeitos daquela decisão, o egrégio Supremo Tribunal Federal cuidou ressalvar que, malgrado a inconstitucionalidade do artigo 5º. da Lei federal de número 11.960/2009, o índice básico da caderneta de poupança (“TR”) deve ser aplicado até 25 de março de 2015, mas apenas para a correção dos precatórios.
A partir desse julgamento, questionou-se então se a Lei federal de número 11.960/2009 poderia ser aplicada aos processos de conhecimento e de execução, já que se a declarara inconstitucional quando aplicada a regime de precatórios com uma “ratio decidendi” que, em tese, poder-se-ia aplicar a todo tipo de situação material ou processual, o que, aliás, deu azo a que o egrégio Supremo Tribunal Federal instalasse o incidente de repercussão geral, para análise e decisão da seguinte matéria jurídica: “A validade jurídico-constitucional da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre condenações impostas à Fazenda Pública segundo os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança (Taxa Referencial – TR), conforme determina o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09”.
Como ainda não se decidiu esse incidente, e como nele não se determinou a suspensão do trâmite das ações que sobre tal matéria versem, é de rigor que sobre ela se decida nestes embargos à execução.
Basicamente, a linha de argumentação adotada pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, quando examinava a constitucionalidade do artigo 5º. da Lei federal de número 11.960/2009 com aplicação circunscrita ao regime de precatórios, baseou-se no entendimento de que o Legislador violara o princípio da isonomia, ao adotar ao regime de precatórios uma forma de atualização monetária e de cômputo de juros de mora em favor do credor particular diferente do que vigora em favor do Poder Público, e que esse tratamento diverso caracteriza uma “discriminação arbitrária”. A questão a analisar-se, pois, nos limites destes embargos à execução, radica no perscrutar e decidir se tal “discriminação arbitrária” caracteriza-se fora do regime de precatórios, a dizer, em qualquer situação em que se faça aplicar a referida Lei 11.960.
E malgrado o que decidiu o egrégio Supremo Tribunal Federal, não entendo que a diversidade de regime jurídico-legal de cômputo da correção monetária e dos juros de mora constitua, só por si, ilegalidade, porque se há reconhecer que a matéria jurídica relacionada à correção monetária e dos de juros de mora, quando aplicada especificamente a processos judiciais, é matéria de direito civil e de direito processual civil, o que faz aplicar-se a regra constitucional do artigo 22, inciso I, a reconhecer-se, por consequência, que tal matéria é de regulação privativa da União Federal.
Com efeito, há que se reconhecer a competência exclusiva da União Federal para fixar regras gerais acerca da forma como se deve calcular a correção monetária e juros de mora relativamente a débitos gerados em processo judicial, por ser sua a competência para disciplinar o direito civil e o processo civil.
Poder-se-ia questionar se a Lei federal 11.960/2009, ao tratar da correção monetária e dos juros de mora em processo judicial, é uma norma de natureza material ou processual, perscrutando-se, pois, acerca de sua natureza jurídica. De qualquer modo, ainda que se definisse como de natureza material a referida regulação, mesmo aí a União Federal teria competência para legislar.
Mas o definir a natureza jurídica da norma da Lei 9.494/1997 é de relevo essencial para determinar se ela pode ou não alcançar as lides que já existam ao tempo em que a referida Lei entrou em vigor. Pois que se de natureza material for, a norma da Lei federal de número 11.960/2009 não pode retroagir, de modo que sua aplicação seria apenas a processos futuros, entendidos estes como aqueles iniciados a partir de 30 de junho de 2009.
Mas se a sua natureza for de natureza processual, então a sua aplicação é imediata, alcançando os processos em curso, como é da natureza das normas processuais em geral, dispondo o Código de Processo Civil acerca disso.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça a princípio vinha decidindo que por se tratar de uma norma de direito material, a Lei 11.960 não poderia ser aplicada a lides já existentes, mas a Corte especial daquele Tribunal, a partir do que julgou em embargos de divergência no recurso especial 1.207.197, modificou aquele entendimento, para fixar a natureza processual da norma, decidindo, pois, que sua aplicação alcança as lides anteriores à sua entrada em vigor, mas cuidando ressaltar que a Lei somente se aplica a partir do momento em que está em vigor, sem efeitos retroativos.
Pois que formada consistente jurisprudência no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que: a) a norma da Lei 11.960/2009, que regula a forma de cômputo dos juros de mora e de correção monetária é uma norma válida e de natureza processual; b) e em sendo de natureza processual, ela se aplica a processos pendentes; c) sua aplicação, no entanto, não pode ser retroativa, produzindo efeitos apenas a partir de 30 de junho de 2009.
Este Juízo vinha entendendo que era de natureza material a norma em questão, mas abjurando desse entendimento, passa adotar a posição do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por considerar que, de fato, há se considerar que se trata de uma forma específica de cômputo de correção monetária e de juros de mora, porque seus efeitos devem ocorrer apenas no campo do processo judicial, o que é elemento fundamental para determinar a natureza da norma. Assim, se o efeito principal a ser buscado pelo Legislador é de ocorrer no processo civil, a norma jurídica que regula esse efeito é de natureza processual, ainda que o instituto seja de direito material, como se dá com a correção monetária, e também com os juros de mora.
Importante registrar que a doutrina de há muito vem identificando normas de caráter bifronte, normas que podem apresentar uma natureza dupla, material ou processual. Por exemplo, a norma sobre provas, tema que serviu GIUSEPPE CHIOVENDA, para enfatizar a necessidade de se investigar, em cada caso, a razão da norma, como condição indispensável para a fixação de sua natureza jurídica. Assim, afirma o insuperável processualista italiano que se as razões que determinam a norma são de caráter processual, a norma é de natureza processual, porque seus efeitos é de ocorrerem no processo e se referem a algum dos princípios que o regulam (Instituições de Direito Processual Civil, v. I, ed. Saraiva, 1969).
Destarte, ao regular a forma como se devem computar a correção monetária e os juros de mora em processo judicial, quando a condenação tiver sido imposta contra a Fazenda Pública, quis o Legislador regular de modo específico e particular os efeitos desses institutos no processo civil, em um tratamento específico e particular que quadra com o nosso sistema processual em vigor, que prevê em favor da Fazenda Pública determinadas prerrogativas processuais, as quais podem inclusive alcançar a forma como se devem calcular a correção monetária e os juros em que condenada.
Do exposto, fixada a natureza jurídica de norma processual da Lei 11.960/2009, no regular a forma de cômputo da correção monetária e dos juros de mora nas condenações impostas à Fazenda Pública em processo judicial, daí decorre que sua aplicação é imediata, alcançando os processos em curso, mas seus efeitos não retroagem, de modo que essa forma de cômputo somente é de ser observada a partir de 30 de junho de 2009, quando em vigor aquela Lei.
Para o período anterior a 30 de junho de 2009, adotam-se os índices da Tabela Prática do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo quanto à correção monetária. E quanto aos juros de mora, deve prevalecer a forma fixada no título executivo judicial, ou se inexistente, a forma fixada em norma, que conforme o período, pode ser a do Código Civil ou a da Lei federal 9.494/1997. (Observe-se que a Tabela Prática do Tribunal de Justiça não cuida da forma de cômputo dos juros de mora).
POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTES, mas com ressalva, estes embargos à execução, por se reconhecer válida a aplicação do artigo 5º. da Lei federal de número 11.960/2009 quanto à correção monetária e juros de mora, mas com produção de efeitos apenas a partir de 30 de junho de 2009, o que é de ser observar nesta execução, de modo que a memória de cálculo deve refazer-se, do que o credor deverá desincumbir-se, apresentando-a nos autos do processo de execução, para neles se prosseguir oportunamente. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.
Gratuidade concedida ao embargado, não é condenado no pagamento da taxa judiciária, despesas processuais e honorários de advogado. Mas estes devem, ainda que a gratuidade tenha sido concedida, ser fixados conforme determina o artigo 98, parágrafos 2º e 3º., do novo Código de Processo Civil, e são assim fixados por apreciação equitativa, já que consideravelmente diminuto o valor atribuído a estes embargos. Fixados os honorários por apreciação equitativa em R$400,00 (quatrocentos reais), com correção monetária a partir desta data.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 18 de maio de 2017.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO