SISTEMA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR INSTITUÍDO POR LEI MUNICIPAL. EXCLUSÃO DOS ATUAIS SERVIDORES PÚBLICOS.

PODER DISCRICIONÁRIO RECONHECIDO EM FAVOR DO ENTE PÚBLICO PARA ASSIM O TER ESTABELECIDO, TRATANDO-SE  DE NORMA CONSTITUCIONAL (ART. 20, PAR. 14 E 15) FACULTATIVA.

Vistos.

                                      Afirma o autor, (…) qualificado a folha 1, servidor público dos quadros da Prefeitura de São Paulo, que a Lei Municipal – SP de número 17.020/2018, ao vedar aos atuais servidores públicos o acesso ao sistema de previdência complementar, violou a norma do artigo 40, parágrafos 14 e 15, da Constituição de 1988, a qual, segundo o autor, não impõe essa vedação, nem o poderia ter feito dado que os princípios que se devem aplicar são o da universalidade e facultatividade, os quais garantem aos servidores públicos o direito a optarem por se submeter ao sistema de previdência complementar. Daí a pretensão no sentido de que se declare a existência de relação jurídica que lhe reconheça o direito a filiar-se ao sistema facultativo de previdência complementar.

                                      Citada, a ré, MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, contestou, arguindo, como matéria preliminar, deva haver a suspensão do trâmite desta ação individual na aguarda do que vier a decidir o Tribunal de Justiça de São Paulo em ações coletivas que tratam do mesmo tema. Quanto ao mérito da pretensão, aduz que a norma constitucional não obriga a que os entes públicos facultem a seus servidores atuais o ingresso no sistema de previdência complementar, senão que apenas fixou a vedação a que se os obriguem, reconhecendo assim a prevalência do poder discricionário do ente público para decidir acerca da matéria, devendo por isso se considerar em compasso com a norma constitucional a Lei 17.020/2018, que não permite que os atuais servidores públicos da Prefeitura de São Paulo filiem-se ao sistema de previdência complementar.

                                      Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.

                                      Como não há regra legal que preveja a suspensão das ações individuais em face da existência de ação coletiva, não há razão para suspender o trâmite desta, lembrando-se que, em nosso Ordenamento Jurídico em vigor, a existência de ação coletiva não configura a litispendência da ação individual, nem pode alterar seu trâmite.

                                      Quanto ao mérito da pretensão – que é improcedente.

                                      Analisa-se, nos limites desta demanda individual, se a norma do artigo 1º., parágrafo 1º., da Lei Municipal – SP de 17.020/2018, colide com a norma do artigo 40, parágrafos 14 e 15, da Constituição de 1988.

                                      A norma da legislação municipal prevê que, instituindo o “regime de previdência complementar”,  aqueles servidores públicos que ingressarem no serviço público após a entrada em vigor da referida Lei poderão se filiar ao novel regime de previdência.

                                      Já o artigo 40, parágrafos 14 e 15, da Constituição de 1988, prevê:

“Art. 40 (…)

  • 14. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201.
  • 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida”.

                                      Nesse contexto, é de se perscrutar se a norma da legislação municipal harmoniza-se ou não com a norma constitucional, ao vedar aos atuais servidores públicos da Prefeitura de São Paulo a filiação ao sistema de previdência complementar.

                                     Sobretudo a partir de KELSEN, demonstrou-se, com objetividade, que as normas legais podem impor uma determinada conduta, podem-na vedar, ou a podem permitir, conforme a opção do legislador. Há, pois, uma nítida diferença quando o comando normativo fixa como uma obrigatória conduta, do que sucede quanto o legislador apenas permite que a conduta ocorra, ou não. Neste último caso, estamos diante de uma norma facultativa. Analisemos, pois, se as normas dos parágrafos 14 e 15 do artigo 40 caracterizam-se como uma norma obrigatória, como sustenta o autor, ou facultativa, segundo a posição da ré.

                                      Com a emenda constitucional de número 20, em vigor de 1998, a Constituição passou a permitir que os entes públicos criassem regime de previdência complementar, a qual seria regida por uma lei complementar de caráter nacional, conforme previa o parágrafo 15 do artigo 40 na redação que lhe foi dada pela emenda 20. Sucede, contudo, que a emenda 41 modificou a redação do parágrafo 15, para reconhecer a cada ente público o poder de instituir, por lei própria, o sistema de previdência complementar, o que significa reconhecer que a norma constitucional reconheceu a competência legislativa de cada ente pública na regulação do tema.

                                      Destarte, em função do parágrafo 15 do artigo 40, com a redação que lhe foi dada pela emenda 41, cada ente público pode instituir lei de sua própria iniciativa para criar sistema de previdência complementar. E, exercendo essa competência legislativa, a Prefeitura de São Paulo legislou acerca do tema, criando o sistema de previdência complementar.

                                      O parágrafo 14 do artigo 40 apenas previu que os entes públicos possam criar o sistema de previdência complementar, não lhes impondo tal obrigação, apenas prevendo que esse sistema deva beneficiar “seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo”, nada dispondo, contudo, quanto a limitar o universo desses beneficiários, concedendo ao ente público, pois, o poder de, em face desse universo (dos servidores públicos), fixar condições, inclusive de tempo.

                                      Destarte, as normas dos parágrafos 14 e 15 do artigo 40 da Constituição de 1988 caracterizam-se por serem normas facultativas, a garantir ao ente público um importante espaço de discricionariedade.

                                      Do qual validamente se utilizou a Prefeitura de São Paulo ao criar o seu regime de previdência complementar, fixando que apenas que seus  futuros servidores (a dizer, aqueles que sejam empossados a partir da entrada em vigor da Lei 17.020/2018) possam filiar a esse regime, vedando que os atuais servidores (a dizer, aqueles que já estão a ocupar o cargo antes da entrada em vigor da referida Lei, caso do autor) possam se filiar a esse mesmo regime.

                                      Como bem sublinhou a ré, há que se considerar que as normas constitucionais não obrigam o ente público a criar o sistema de previdência complementar, como também não vedam que, dentro do universo de seus servidores, fixe uma condição de tempo (a data da posse no cargo) para permitir ou não permitir o ingresso ao sistema de previdência complementar, pelo que válida a Lei 17.020/2008 no particular.

                                      POSTO ISSO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, declarando  extinto este processo, com resolução do mérito, por aplicação subsidiária do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.

                                      Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelo autor de ato de litigância de má-fé, não se lhes pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.

                                      Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

                                      São Paulo, em 18 de outubro de 2019.

                                      VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

                                               JUIZ DE DIREITO