APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS FUNDAMENTAIS EM COLISÃO. AÇÃO COMINATÓRIA, CUMULADA COM PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE COMINOU À RÉ A OBRIGAÇÃO DE EXCLUIR COMENTÁRIOS REPUTADOS OFENSIVOS À AUTORA, DE AUTORIA DE TERCEIROS E PUBLICADOS EM SUA CONTA NA REDE SOCIAL.
APELO DA RÉ EM QUE SUSTENTA SUA ILEGITIMIDADE E ARGUMENTA PELA PREVALÊNCIA DO DIREITO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO TERCEIRO.
APELO SUBSISTENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA, ASSIM ANALISADA “IN STATUS ASSERTIONIS”.
AUTOR QUE PRETENDE IMPOR À RÉ UM PAPEL QUE A LEI DO MARCO CIVIL DA INTERNET NÃO PREVÊ, QUE É O PAPEL DE CENSOR QUANTO AO CONTEÚDO DE MANIFESTAÇÕES DE TERCEIRO, CONTRA OS QUAIS O AUTOR DEVE DEMANDAR, SE ENTENDE QUE A SUA IMAGEM TERÁ SIDO INDEVIDAMENTE ATACADA.
RÉU QUE, NA CONDIÇÃO DE PROVEDOR DE INTERNET, NÃO PODE SER CIVILMENTE RESPONSABILIZADO PELO CONTEÚDO DAS MENSAGENS QUE TERCEIROS PUBLIQUEM, COMO TAMBÉM NÃO LHE CABE REALIZAR
CONTROLE DO CONTEÚDO DESSAS MENSAGENS, SALVO SE PROVIMENTO JURISDICIONAL O OBRIGA A TANTO, DESDE QUE EMITIDO EM PROCESSO JUDICIAL QUE TIVER SIDO AJUIZADO CONTRA O AUTOR DAS PUBLICAÇÕES, E NÃO APENAS CONTRA O PROVEDOR.
SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO. SEM A FIXAÇÃO DE ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra r. sentença de fls.115/121 que, nos autos da ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de reparação por danos morais, julgou parcialmente procedentes o pedido de obrigação de fazer consistente na exclusão dos comentários ofensivos feitos por terceiros na plataforma da ré, sob pena de multa diária.
Sustenta a ré sua ilegitimidade passiva – porque o conteúdo reputado ofensivo pela autora foi postado por terceiros -, e, no mérito, enfatiza seu compromisso com o debate e a promoção do direito amplo à informação, privilegiando a liberdade de expressão e manifestação de pensamento, “que obviamente abarca o direito de crítica”.
Recurso tempestivo, preparado e contrarrazoado.
FUNDAMENTAÇÃO
O recurso comporta provimento.
Sabia e prudentemente o Legislador estabelece no artigo 19 da Lei do Marco Civil da Internet (Lei federal 12.965/2014) que “o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
Com tal enunciado, o Legislador não impôs ao provedor de Internet o papel de censor das publicações que são publicadas nas redes sociais, o que constitui uma proporcional proteção ao princípio que garante a liberdade de expressão, que, certamente, seria afetada para além do razoável fosse imposto ao provedor esse papel de censor.
O que cabe ao provedor cuidar fazer se limita a cumprir as ordens judiciais, se elas se impõem a exclusão de determinado conteúdo. Mas isso somente pode ocorrer se aquele que se diz vítima de algum comentário publicado em rede social tiver demandado contra quem é o autor desse comentário. Ainda uma vez, não se pode atribuir ao provedor de Internet a obrigação de responsabilizar-se pelo conteúdo ou por sua mantença nas redes sociais.
Como se verifica, o autor não está a demandar contra quem fez as publicações, limitando-se a demandar contra o provedor. E assim a sua pretensão não pode subsistir.
Poderia o autor pretextar com alguma dificuldade em obter a autoria dos comentários, mas ainda que essa dificuldade pudesse existir (e isso não está definitivamente comprovado nos autos), poderia utilizar-se do direito de ação para obrigar o provedor a identificar essa autoria até o limite técnico que hoje se encontra disponível.
Diante do contexto em que se coloca a demanda, em que o autor se limitou a demandar contra o provedor da Internet, a improcedência aos pedidos é medida de rigor.
Por meu voto, dá-se provimento ao recurso de apelação, com a reforma da r. sentença, pois que se declara a improcedência dos pedidos formulados nesta demanda.
Invertem-se os encargos de sucumbência, que são carreados exclusivamente ao autor. Não se aplica a regra do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR