Processo número 1011542-84.2019
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital
Vistos.
Afirmando-os abusivos, questiona a autora, (…), qualificada a folha 1, os percentuais de reajuste aplicados em contrato de plano de saúde firmado em 1998 com a ré, (…), alegando que, ao ter completado cinquenta e seis anos, conforme previsão no contrato, o prêmio mensal seria reajustado, o que efetivamente ocorreu, mas a ré fez aplicar um reajuste aleatório da ordem de 71% (setenta e um por cento), não tendo a ré informando-lhe como chegou a esse percentual, fato que também aconteceu na aplicação de reajuste quando a autora atingiu sessenta e um anos de idade, de modo que, segundo a autora, a ré não se desincumbiu da obrigação legal de informar-lhe que critérios e valores considerou e aplicou, o que, segundo a peça inicial, viola dispositivos legais que integram a lei federal 9.656/1998 e o Estatuto do Idoso, supondo a autora que tal circunstância ocorrerá também no momento em que a ré aplicar reajustes com base em novas mudanças etárias, assim quando a autora atingir 66 e 71 anos, de modo que a autora objetiva invalidar os reajustes já aplicados, bem como aqueles futuros, de modo que a ré não possa aplicar nenhum reajuste com base no critério da mudança de faixa etária, senão que possa apenas reajustar, uma vez por ano e de acordo com o que estabelecer a agência reguladora, o valor do prêmio mensal. Peça inicial aditada a folha 53. Adotado o procedimento comum.
Concedida a tutela provisória de urgência (folha 58). Não se registra a interposição de recurso.
Citada, a ré contestou, impugnando o valor atribuído à causa, e aduzir quanto ao mérito da pretensão que no contrato firmado com a autora previstos estão dois reajustes, um com base no critério da mudança de faixa etária, e outro anual, sendo que a controvérsia instalada pela autora circunscreve-se ao primeiro desses tipos de reajuste, destacando a ré que o contrato em questão, ao tempo em que incidiram os reajustes questionados, não estava ainda adaptado em face das noveis disposições da lei federal 9.656/1998, fato que é de interesse à demanda, aduzindo nesse contexto que para esse tipo de contrato, de acordo com jurisprudência consolidada no egrégio Superior Tribunal de Justiça, deve-se observar o que o contrato prevê, principalmente quanto ao reajuste por mudança de faixa etária, o que se fez observar no caso da autora, dado que está expressamente previsto no contrato que, ao completar a autora cinquenta e seis anos de idade, e assim também quando atingisse sessenta e um anos, o valor do prêmio mensal sofreria um reajuste, e o percentual foi fixado de acordo com cálculos atuariais, que consideraram as especificidades do objeto contrato e outros aspectos de importância, não se tratando de um percentual aleatório.
Réplica apresentada.
Acolhida a impugnação ao valor da causa (folhas 211/213).
Com o saneamento deste processo as folhas 211/213, determinou-se a realização de perícia contábil, sobrevindo a produção do Laudo de folhas 471/507 (instruído com documentos), e complementado as folhas 546/560 (instruído com documentos).
Encerrada a fase de instrução, as partes apresentaram seus memoriais.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO.
Em face de um contrato de plano de saúde firmado em 1998, e não adaptado às disposições da lei federal 9.656/1998 ao tempo em que os reajustes por faixa etária ocorreram, controverte a autora quanto à validez de dois reajustes aplicados com base no critério da mudança de faixa etária. Assim é que a autora afirma abusivo o reajuste aplicado quando atingiu a idade de cinquenta e seis anos e também a de sessenta e um anos, reajuste que que alcançou o percentual de 71%, aplicado quando a autora atingiu cinquenta e seis anos de idade, afirmando a autora a aleatoriedade dos critérios que a ré aplicou para chegar a esse percentual, além de não lhe dado conhecimento desses mesmos critérios.
Sustenta a ré que, em se tratando de um contrato não adaptado à lei 9.656/1998, cuidou aplicou o que está consubstanciado em jurisprudência consolidada no âmbito do egrégio Superior Tribunal de Justiça, a qual reconhece a legalidade de reajuste com base na mudança de faixa etária. Adscreve a ré, outrossim, que fez aplicar reajuste com base em percentual apurado com base em cálculos atuariais.
Importante observar que o contrato em questão prevê expressamente o reajuste por mudança de faixa etária (cláusula de número 150), como também prevê reajuste anual, conquanto não controverta autora quanto a este tipo de reajuste, mas quanto ao reajuste com base no critério de mudança de faixa etária. De maneira que a análise que se deve levar a cabo aqui limita-se a definir se o percentual do reajuste aplicado (de 71%) é proporcional ou não, abusivo ou não, e se os critérios aplicados são válidos e objetivos, ou inválidos porque aleatórios, dado que, sob o aspecto formal, o reajuste tem expressa previsão contratual. A mesma situação apura-se em face do reajuste ocorrido quando a autora atingiu sessenta e um anos, momento em que um novo reajuste foi aplicado pela ré.
Dado que se deve analisar se o percentual aplicado ao reajuste quando a autora atingiu a idade de cinquenta e seis anos é válido ou não, o mesmo envolvendo o reajuste aplicado ao tempo em que a autora atingiu sessenta e um anos de idade, produziu-se perícia, cujo principal objetivo era a de perscrutar os critérios que atuaram no bojo de cálculos atuariais, e com base no quais a ré chegou aos índices que cuidou aplicar.
Esses cálculos são necessários tendo em vista as especificidades que envolvem o contrato de plano de saúde, considerando nesse contexto determinadas faixas etárias que formam espécies de grupos de risco diferenciados, porquanto se tem como de ciência certa que as pessoas, envelhecendo, tendem a usar mais dos serviços de saúde, o que a operadora do plano legitimamente considera quando fixa o valor do prêmio mensal cobrado de seus contratantes, conforme a faixa etária em que estão. O equilíbrio econômico-financeiro, não apenas do contrato, mas da própria mantença do negócio da operadora de saúde, exige uma correta e consistente análise desses cálculos atuariais.
A jurisprudência brasileira vem há longo tempo discutindo acerca dos reajustes por faixa etária aplicados em planos de saúde, buscando encontrar um ponto de equilíbrio, de modo que não autorizasse reajustes que poderiam onerar excessivamente os mais idosos, já que estes, por sua natural condição, devem suportar o pagamento de prêmios mensais em valores superiores àqueles que são cobrados dos mais novos, sem o que o equilíbrio econômico-financeiro não apenas do contrato, mas do negócio da ré poderia não ser alcançado.
Essa é uma natural e imperiosa especificidade do tipo de contrato em questão e que foi enfrentada pela jurisprudência, que tentou encontrar princípios que poderiam de algum modo lenificar uma carga onerosa contra os mais idosos, em favor dos quais poderia atuar, por exemplo, um princípio que se cuidou denominar de “solidariedade intergeracional”, que consiste em fazer com que o equilíbrio econômico-financeiro dos planos de saúde fosse alcançado com uma participação maior dos contratantes mais novos. Mas se no plano jurídico essa solução poderia ser, em tese, abonada, no plano econômico-financeiro a questão continuava sem solução, porque a questão que permanecia indefinida dizia respeito ao percentual a ser aplicado com base da mudança de faixa etária, porque não se pode olvidar (e nem o Direito é capaz de o fazer) de que, com a mudança de faixa etária, o contratante ingressa noutro grupo de risco, e esse fato é imperioso considerar e avaliar em um contrato cujo principal objeto é propiciar adequados tratamentos de saúde para diversas patologias.
Assim, no caso da autora, ao atingir cinquenta e seis anos de idade, passou a integrar outro grupo de risco, o que foi legitimamente considerado pela ré com base em estudos da área da Medicina e também com base em cálculos atuariais que são construídos de acordo com aspectos que são variados e que abarcam, por exemplo, a expectativa de vida, a natural propensão do ser humano a suportar, a partir de certos estádios da vida, determinadas patologias, cada vez mais potencialmente danosas a seu organismo e à sua saúde, e por isso mais elevados em termos do que é necessário despender para fazer face ao custeio desses tratamentos – aspectos que são quantificados pelas operadoras de planos de saúde com base em critérios de risco e outros aspectos inerentes ao tipo de objeto do contrato.
Pois que nesse tipo específico de contrato, com aspectos tão variados e que devem ser encarados sobretudo em sua feição econômica, figurar um percentual como abusivo ou desarrazoado, sem conhecer dos cálculos atuariais, é lançar-se, aí sim, no campo da aleatoriedade. Daí a ineludível necessidade de uma perícia que deva analisar os diversos aspectos que foram tomados em consideração nos cálculos atuariais realizados para que a operadora do plano chegasse ao percentual que aplicou ao reajuste por idade.
A perícia aqui produzida identificou, detalhou e sopesou os vários elementos que envolvem o grupo de risco a que passou a autora pertencer depois que atingiu a idade de cinquenta e seis anos, o mesmo sucedendo quando a autora atingiu sessenta e um anos de idade. Como cuidaram adscrever os senhores Peritos, a ocorrência de sinistro, ou seja, a necessidade de a autora contar com tratamento médico em geral envolve uma situação de risco, que é assim quantificado pela ré quando tem que estabelecer o valor do prêmio mensal, bem assim o índice do reajuste quando se atinge os limites de idade que o contrato prevê, formando o que se convencionou chamar de “Teoria Individual do Risco”, a que a perícia sublinhou como de relevância na definição do reajuste (folha 480).
De relevo considerar, tal como frisou a perícia, que o contrato em questão nesta demanda veio a ser adaptado às disposições da lei federal 9.656/1998, mas isso ocorreu apenas em outubro de 2019, de maneira que os reajustes aplicados por mudança de faixa etária, quando a autora atingiu cinquenta e seis anos, e também quando alcançou sessenta e um anos de idade, o que sucedeu em 2004 e novembro de 2014, respectivamente, esses reajustes seguiram as cláusulas originais do contrato, o que significa dizer que não sofreram qualquer influxo decorrente da adaptação do contrato, que, a propósito, modificou os reajustes futuros com base na faixa etária, conforme a perícia sublinhou a folha 484.
De maneira que a perícia, esteada nos cálculos atuariais, adequados ao objeto do contrato, concluiu que os percentuais aplicados ao reajuste com base na mudança de faixa etária da autora harmonizam-se com os elementos que quantificam o risco envolvido na contratação e que justificam o reajuste segundo os índices aplicados pela ré, que, portanto, não podem ser tidos como aleatórios, ao contrário do que sustenta a autora, porquanto baseados em cálculos atuariais que os justificam.
Donde se conclui que os percentuais que foram aplicados com base no critério de mudança de faixa etária, sobre não serem produto de aleatoriedade, encontram nos cálculos atuariais os elementos que os justificam e os tornam adequados ao tipo de contratação, com as especificidades que a perícia assinalou – e são por isso percentuais válidos, expressamente previstos no contrato e corretamente fixados de acordo com os cálculos atuariais.
Por fim, necessário sublinhar que o fato de tratar-se de uma relação jurídica caracterizada como de consumo, e contar com certa proteção jurídico-legal, não significa que se possa olvidar ou desconsiderar da especificidade de certos contratos, como os que envolvem plano de saúde.
POSTO ISSO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, declarando a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Cessa imediatamente a eficácia da medida liminar. Comunique-se a ré, com urgência, para as providências inerentes a essa situação processual.
Condeno a autora no reembolso à ré o quanto esta despendeu a título de despesas processuais, com atualização monetária a partir do desembolso, abarcando no conceito de “despesas processuais” o que a ré despendeu com os honorários periciais. Condeno a autora no pagamento de honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, devidamente corrigido.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 28 de março de 2021.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO