SUMÁRIO: 1. PROVIMENTOS DE URGÊNCIA: TUTELA ANTECIPATÓRIA E TUTELA CAUTELAR. 2. MEDIDA LIMINAR COMO VEÍCULO PROCESSUAL. 3. A MEDIDA LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
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PROVIMENTOS DE URGÊNCIA: TUTELA ANTECIPATÓRIA E TUTELA CAUTELAR.
A exemplo do que se dá com a técnica da tutela jurisdicional antecipada, acolhida pelo artigo 273 do Código de Processo Civil, a Lei de Ação Civil Pública (Lei Federal de número 7347/1985) prevê, em seu artigo 12, a possibilidade de se anteciparem efeitos decursivos da tutela jurisdicional, como forma de tornar prevalecente o valor da efetividade, atendendo às exigências que advêm do direito material, melhor distribuindo a carga que o tempo causa no e pelo processo, nomeadamente quando em questão a tutela de direitos difusos de matriz constitucional, subjacente aos quais está naturalmente o interesse social. Dispõe o referido artigo 12: “Poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”.
A doutrina brasileira incidiu, entrementes, em verdadeira mixórdia ao fazer a exegese dessa emblemática disposição legal – verdadeira força-motriz da implantação no sistema positivo brasileiro da técnica da tutela jurisdicional antecipada –, entendendo que por ela se concedia ao juiz a possibilidade de emitir, em sede de ação civil pública, não um provimento jurisdicional antecipatório, mas uma tutela meramente assecuratória (cautelar), exigindo-se, para a concessão da medida liminar, a presença dos requisitos que são comuns à concessão das medidas cautelares (“periculum in mora” e “fumus boni iuris”). E como a Lei da Ação Civil Pública previsse, em seu artigo 4o., a medida cautelar, sustentava-se, nesse contexto, que esses dois dispositivos legais (artigos 4o. e 12) deveriam ser conjugadamente aplicados para a tutela cautelar dos interesses difusos.
Mas, com a adoção pelo Código de Processo Civil brasileiro do instituto da tutela jurisdicional antecipada – o que se deu no bojo da reforma levada a cabo pela Lei Federal de número 8952/1994 –, conduziu-se a doutrina a propugnar, apontoada no artigo 19 da Lei 7347, que se devesse aplicar tal técnica à ação civil pública, que, assim, passaria a contar não só com a medida cautelar (utilizada até mesmo para a prevenção do dano), mas também e principalmente com a figura da tutela antecipada.
Cabe adscrever que até a entrada em vigor da Lei 8952, como o direito positivo brasileiro não contemplasse a figura atípica da tutela jurisdicional antecipada, senão que dispunha apenas de alguns tipos de provimentos antecipatórios (casos das ações possessórias e do mandado de segurança), não havia exsurgido nenhum problema conceitual entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar, ou pelo menos a doutrina brasileira com ele ainda não se deparara, uma vez que até ali estivera sob o influxo da lição de CALAMANDREI, para quem a medida cautelar poderia ser utilizada para antecipar provimentos decisórios. Exatamente nesse ponto, de resto, é que se localizaram as vicissitudes pelas quais atravessou a doutrina processual italiana ao empreender a tarefa de sistematização da tutela cautelar, quando pretendeu dar-lhe uma autonomia estrutural e funcional.
Com efeito, sobretudo por uma concepção equivocada defendida por CARNELUTTI, que conquanto tivesse, em sua mais completa obra de processo civil (Sistema de Direito Processual Civil), vislumbrado a nota característica do processo cautelar (sua finalidade assecuratória), abjurara dessa posição para, então, sustentar a incorreta idéia de que o processo cautelar poderia antecipar efeitos do provimento jurisdicional definitivo.1 Daí lhe sucedeu classificar os processos cautelares em inibitórios, restituitórios e antecipatórios,2 dando azo a que se instalasse, na doutrina, a imprecisão conceitual que prosseguiu com CALAMANDREI, que a despeito de ser o grande sistematizador do processo cautelar, e de ter, com insuperável acuidade, compreendido a distinção entre tutela preventiva e tutela cautelar, recaiu no idêntico equívoco do autor da “Teoria Geral do Direito”, ao admitir que o processo cautelar, malgrado a instrumentalidade que o caracterizaria, poderia visar à antecipação de efeitos decisórios, consistindo nesse caso “em uma decisão antecipada e provisória do mérito, destinada a durar até que a esse regulamento provisório da relação controvertida não se sobreponha o regulamento definitivo obtido através o mais lento processo ordinário”.3
CALAMANDREI, por conseqüência, obnubilara o grau de compreensão a que ele próprio atingira ao surpreender, graças a seu gênio inventivo, a essência da tutela cautelar, contrastando-a com a tutela preventiva antecipatória, como se pode constatar de conhecido texto de sua lavra:
“Não é necessário fazer confusão entre tutela preventiva e tutela cautelar: conceitos distintos, mesmo quando postos em relação de gênero a espécie. Em certos casos, também o nosso sistema processual admite que o interesse suficiente para invocar a tutela jurisdicional possa surgir, antes que o direito tenha sido efetivamente lesado, pelo simples fato de a lesão prenunciar-se próxima e provável: nesses casos, a tutela jurisdicional, mais que o escopo de eliminar posteriormente o dano produzido pela lesão de um direito, atua antes com a finalidade de evitar o dano que poderia derivar da lesão de um direito, ameaçada, mas não ainda concretizada. Fala-se nesses casos, em contraposição à tutela sucessiva ou repressiva, de uma tutela jurisdicional preventiva, na qual o interesse de agir surge não do dano, mas do perigo de um dano jurídico. (…).
“Nesses casos de tutela preventiva, não estamos, porém ainda no campo da tutela cautelar; de fato, se se prescinde do momento do interesse (que nasce aqui do perigo, antes que da lesão do direito), aqui nos encontramos ainda diante de casos de tutela ordinária, com efeitos definitivos”.4
Um leitor mais atento de CALAMANDREI, como um processualista da envergadura de GIUSEPPE TARZIA,5 teria, no entanto, percebido que o Mestre fiorentino corrigira, ainda na mesma obra, aquela sua observação inicial para ressalvar que “(…) nem todos os procedimentos cautelares são conservativos: podendo em certos casos a cautela que com eles se constitui consistir não na conservação, mas na modificação do estado de fato existente. Também sob esse aspecto a função, conservativa ou modificativa, da medida cautelar orienta-se no procedimento principal, e a este se coordena. (…).”6
De rigor observar que CALAMANDREI não classificara os provimentos cautelares por seu conteúdo ou por seus efeitos jurídicos, nem assim por sua inerente provisoriedade (no que percebia, aliás, uma aproximação com os provimentos provisórios não-cautelares)7 – demonstrando, pois, não olvidar da função meramente assecuratória que cabe ao processo cautelar, enfatizando a relação de instrumentalidade que caracteriza esse tipo de processo, que ainda que apresente uma proximidade conceitual com certo tipo de tutela jurisdicional antecipada (com a declaratória com dominante função executiva, engendrada por CHIOVENDA), dela distingue-se na medida em que “não pode aspirar a tornar-se em si mesmo definitivo”.8
Mas apenas no momento em que a doutrina processual atentou, com maior nitidez, para a diferença entre medida cautelar e medida preventiva, é que se encontraram as azadas condições a que se concebesse a distinção entre o efeito que resulta da medida cautelar e aquele que envolve a técnica da antecipação da tutela jurisdicional. Com efeito, graças a GIOVANNI CRISTOFOLINI – diz OVÍDIO BAPTISTA –, é que a doutrina lobrigou a distinção entre as medidas processuais de cunho preventivo (que não são verdadeiramente cautelares), e aquelas que conquanto tenham função cautelar, vão além e satisfazem, por antecipação, o direito da parte, o que as discrepa das medidas verdadeiramente cautelares, as quais “protegem sem satisfazer”.9
Destaca OVÍDIO BAPTISTA esse importante aspecto contido na obra de GIOVANNI CRISTOFOLINI:
“A síntese vislumbrada pelo jurista é de uma precisão invejável. Seria difícil resumir, em poucas palavras, de forma tão perfeita, como o fez Cristofolini, os problemas atuais enfrentados pela teoria da tutela cautelar. E o significativo é que sua análise partiu precisamente do exame a que o mesmo procedia dos processos de accertamenti con prevalenti funzione esecutiva da classificação chiovendiana, cujo exemplar mais notório é o processo d’ingiunzione”.10
A pedra de toque para a compreensão conceitual entre as tutelas de emergência concentra-se, pois, no caráter assecuratório de que é dotada a medida cautelar, no que ela difere substancialmente da técnica antecipatória, que não obstante assegure, também satisfaz, por isso que ultrapassa o campo da cautelaridade. Como pontifica LOPES DA COSTA, primeiro processualista brasileiro a escrever uma obra sobre o processo cautelar já sob essa concepção, a garantia constitucional do direito de ação revelar-se-ia ilusória se o direito positivo não contasse com medidas necessárias a assegurar a manutenção do estado inicial da lide.11
Pois que os provimentos de urgência foram ideados para obliterar, ate o limite do possível, os riscos que são causados pelo tempo no processo ordinário, cujas deficiências geraram a necessidade tanto da tutela cautelar, quanto da tutela provisória antecipada.12 Daí a relação direta que existe entre os diversos provimentos de tutela e as técnicas ideadas,13 a serem utilizadas ou para assegurarem o resultado útil do processo principal (provimentos cautelares), ou para incontinenti outorgarem ao autor, em caráter de definitivo, esse mesmo resultado útil (provimentos antecipatório ou preventivo).
2. MEDIDA LIMINAR COMO VEÍCULO PROCESSUAL.
É ainda comum o equívoco de associar-se a idéia de medida liminar à de medida cautelar, como se apenas esse tipo de provimento jurisdicional pudesse ser por ela veiculado.14 Erro palmar cuja gênese localiza-se na confusão entre a noção de veículo processual e seu conteúdo, que é variegado e pode consistir em provimento cautelar, provimento antecipatório ou preventivo, como observou RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO:
“(…) não há confundir ‘liminar’ com ‘cautelar’. Este último é tipo de processo, a que o Código de Processo Civil destina uma livro específico (III), tendo por pressuposto a tutela urgente (ainda que provisória) de uma situação emergencial envolvendo coisa, pessoa ou situação jurídica. A ‘liminar’, em certos casos, pode se apresentar sob color de antecipação de tutela, incidente ao início da lide, como o nome já o indica, podendo apresentar índole executiva, como se dá nas liminares em mandado de segurança e nas possessórias”.15
É necessário, portanto, proceder à distinção entre os termos “veículo processual” e “conteúdo processual”, para o que nos valemos da lição sempre precisa do jusfilósofo TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, esteada em PAUL LORENZEN e WILHELM KAMLAH. Aclarando os termos “significação” e “conteúdo”, dizem eles algo que pode ser utilizado no tema aqui tratado:
“Conteúdo (…) é o que cabe num recipiente: podemos tirar o ‘conteúdo’ de uma mala e passar para outra sem que ele se altere. Assim, poderíamos dizer, é possível reproduzir o ‘conteúdo’ de um texto com suas próprias palavras. (…) quando um jurista procura saber se as diversas asserções que compõem diferentes dispositivos legais estão conformes, está comparando os seus respectivos ‘conteúdos’. Mas para isso ele leva em consideração as diversas ‘significações’ dos termos usados. (…)”.16
A medida liminar é, assim, o veículo (ou recipiente) que contém um provimento jurisdicional decisório de cunho cautelar, antecipatório ou preventivo. Daí que é possível identificar, a partir de seu conteúdo, com a análise da significação do provimento emitido, se se trata de uma medida liminar cautelar, antecipatória ou preventiva, observando, outrossim, na esteira de FREDERICO MARQUES, que não é o conteúdo da sentença que a diversifica da decisão interlocutória, e sim o seu efeito ou resultado,17 reforçando a conclusão da necessidade da análise nomeadamente da significação do ato decisório proferido pelo juiz, não bastando se considere apenas o veículo (decisão interlocutória ou sentença), ou seu conteúdo.
Consultada, de resto, a etimologia, encontraremos a expressão latina “in limine litis”, a significar uma decisão que é proferida no começo de um processo18. E, de fato, é mais usual que a medida liminar seja concedida exatamente no limiar da demanda, o que, entrementes, não exclui a hipótese de o juiz concedê-la em estádio mais avançado da lide, dês que antes da sentença final.19
De forma que toda decisão que, em momento anterior ao da sentença final, veicula um provimento jurisdicional, é uma medida liminar, cujo conteúdo pode abarcar um provimento cautelar, um provimento antecipatório ou preventivo.
Com esse desimplicar, é possível compreender a distinção entre medida cautelar e processo cautelar, porquanto um sistema, como o nosso por exemplo, pode adotar a técnica cautelar – veiculada por medida liminar – para a proteção direta da efetividade do processo principal (e, consequentemente, do bem da vida que é seu objeto), prescindindo, excepcional e circunstancialmente, da sede própria, que é o processo cautelar. Medidas de política judiciária, baseadas na economia processual, ou ainda em uma patologia (má compreensão ontológica entre as tutelas de emergência), podem levar à essa solução, como se colhe do novel parágrafo 7o. do artigo 273 do CPC brasileiro, que prevê a possibilidade de o juiz deferir medida cautelar em processo principal, quando o autor inadvertidamente requereu provimento antecipatório. A propósito, registra CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:
“Os operadores do direito, ainda pouco familiarizados com o instituto da antecipação, relutam muito em transpor a ele os preceitos explícitos que o Livro III do Código de Processo Civil contém, sem se aperceberem de que ali está uma verdadeira disciplina geral da tutela jurisdicional de urgência e não, particularmente, da tutela cautelar. Esse é o ponto mais frágil da disciplina da antecipação tutelar, em seu modelo brasileiro.20
3. A MEDIDA LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚLICA.
No caso da ação civil pública, como ela se acha conformada no Sistema Positivo brasileiro (Lei Federal de número 7347/1985), sua utilização pode albergar a busca por um provimento cominatório (de fazer ou de não fazer) – o que de ordinário sucede –, como pode igualmente alcançar um provimento de natureza preventiva, na hipótese em se teme a ocorrência do dano. Mas imaginar que a ação civil pública possa abrigar, ela própria, provimento cautelar, dispensando a sede própria desse tipo de provimento (que é o processo cautelar), é conceber seu espectro.
Ao tempo em que iniciou sua vigência, cercou-se a Lei Federal de número 7347 de uma polêmica que, em verdade, não tinha razão para existir. Dessa polêmica fala-nos ELÍCIO DE CRESCI SOBRINHO, ao lembrar que muitas foram as dúvidas levantadas a respeito da “medida cautelar civil pública”, de que trata o artigo 4º do aludido Diploma Legal, imaginando-a como meio consentâneo para a hipótese de prevenção do dano.21
Regra basilar de Hermenêutica recomenda ao intérprete não faça presumir a existência, na Lei, de palavras inúteis. Brocardo antigo revela essa idéia: “Verba cum effectu sunt accipienda”. Conforme pontifica CARLOS MAXIMILIANO: “As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis”.22 De feito, pudesse a ação civil pública veicular provimento assecuratório de natureza cautelar, e, por toda a evidência, os artigos 4º e 5º da Lei 7347 não teriam cuidado da possibilidade de se ajuizar ação cautelar preparatória ou incidental de ação [principal] civil pública, porque seria emprestar-lhes, a esses dispositivos, nenhuma significação real.
Subjaz à essa defeituosa técnica hermenêutica, constituindo mesmo sua gênese, uma confusão conceitual que envolve a tutela preventiva (inibitória) e a tutela cautelar. Para a compreensão ontológica do que representa a primeira, afigura-se imperioso levar em conta a distinção entre ato ilícito e fato danoso. Adotemos para esse fim a lição do processualista paranaense LUIZ GUILHERME MARINONI: “(…) o dano não é uma conseqüência necessária do ato ilícito. O dano é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir, mas não para a constituição do ilícito”.23
A essência do processo preventivo radica, portanto, numa finalidade que é de tão-só a de prevenir o ato ilícito, e não o dano. Na doutrina italiana, essa característica do processo preventivo foi de há muito percebida e cristalizada, a ponto que é incomum hodiernamente registrar-se qualquer confusão entre a tutela inibitória (preventiva) e a tutela cautelar, reservado para o campo de atuação da primeira a finalidade de evitar-se ou prevenir o ilícito com efeito satisfativo, sobreexcedendo o campo da simples cautelaridade. No Brasil, contudo, autores de nomeada, como GALENO LACERDA, por exemplo, equivocam-se ao considerar o processo cautelar como gênero e o processo preventivo como sua espécie. Confira-se: “Os processos cautelares, do ponto de vista meramente formal de sua posição no tempo em relação ao processo principal, se classificam em antecedentes e incidentes. Os primeiros, prévios, assumem sempre caráter preventivo. Os segundos, propostos no curso do processo principal, podem ser preventivos ou repressivos. (…).24
Da incorreta distinção entre a tutela cautelar e a tutela preventiva, resultou o exagerado crescimento da “tutela cautelar inominada”, como observa OVÍDIO BAPTISTA.25
E dela igualmente resultou o equívoco de considerar-se que para a prevenção do ilícito possa a ação civil pública comportar provimento cautelar, o que se antolha um momentoso erro, que advém de uma inapropriada intelecção do conteúdo e alcance do artigo 3o. da respectiva Lei. Descortine-se, com efeito, o tipo de provimento jurisdicional que é emitido em sede de ação civil pública – de cunho condenatório-cominatório –,26 e, sem óbice, pode-se invocar, por aplicação subsidiária, o artigo 461, parágrafo 3o., do CPC. Daí que é plenamente possível antecipar-se o efeito preventivo do provimento jurisdicional final de ação civil pública, não se podendo objetar com o argumento de que a medida liminar esvaziaria o objeto da ação – é que se trata nesse caso de uma medida antecipatória preventiva.
Quiçá influenciada pela característica que sobreleva no provimento cautelar (efeito constitutivo produtor de uma modificação jurídica),27 e ainda pela ausência no direito positivo brasileiro à época da entrada em vigor da Lei 7347 de uma técnica de prevenção do dano, lobrigou a doutrina brasileira que a medida cautelar em ação civil pública pudesse ser utilizada para a prevenção do dano. Mas agora que consolidada a distinção conceitual entre as tutelas de emergência – devidamente incorporada ao direito positivo brasileiro (CPC, artigo 461) –, não se pode mais admitir que a doutrina continue a incorrer no manifesto equívoco de conceber a tutela cautelar como técnica a empregar-se em face da prevenção do dano, que para ela reserva-se a técnica antecipatória preventiva.
Destarte, no caso da ação civil pública, tal como a regula a Lei 7347, a medida liminar – engendrada a partir da Lei de Mandado de Segurança –,28 apresenta cunho marcadamente antecipatório (preventivo ou não) do conteúdo da decisão final, cominando ao réu incontinenti, mas provisoriamente (sob cognição sumária, pois), uma obrigação de fazer ou de não-fazer. Para isso, cabe a aplicação do artigo 12 da Lei 7347, que embora não contenha em sua dicção legal a previsão dos requisitos necessários à concessão da medida liminar, não outorga ao juiz, como se poderia imaginar, uma extensa margem de liberdade para concedê-la ou não. Considerando que a técnica empregada nesse caso foi a antecipatória, daí a necessidade de se remeter aos mesmos requisitos previstos pelo CPC; quais sejam: uma situação concreta de risco e a verossimilhança no fundamento da alegação.
1 Cf. Sistema de Direito Processual Civil, v. I,, p. 489, 1a. edição, ClassicBook, São Paulo, 2000.
2 Cf. Ovídio B. da Silva, Do Processo Cautelar, p. 7, 2ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1999.
3 Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari, p. 39, Cedam, Padova, 1936.
4 Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari, p. 16 (tradução livre).
5 Il Novo Processo Cautelare, Introduzione, p. XXV, Cedam, Padova, 1993.
6 Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari, p. 26.
7 Cf. Giuseppe Tarzia, Il novo Processo Cautelare, Introduzione, p. XXIV.
8 Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti Cautelari, p. 40.
9 Do Processo Cautelar, p. 10.
10 Do Processo Cautelar, p. 10.
11 Cf. Alfredo Augusto Lopes da Costa, Medidas Preventivas, p. 25, 3a. edição, Sugestões Literárias, São Paulo, 1966.
12 Cf. Fritz Baur, Tutela Jurídica mediante Medidas Cautelares (tradução por Armindo Edgar Laux), Sérgio Antonio Fabris editor, Porto Alegre, 1985.
13 Cf. Giovanni Verde, Il Processo Cautelare (Osservazioni sparse sui Codici di Procedura in Italia e in Brasile), in Revista de Processo v. 79, p. 35-50, RT, São Paulo.
14 Equívoco em que incidiu, por exemplo, Lucia Valle Figueiredo em seu artigo “Ação Civil Pública – Considerações sobre a discricionariedade na outorga e no pedido de suspensão da liminar, na concessão de efeito suspensivo aos recursos e na tutela antecipatória”, publicado no livro “Ação Civil Pública”, coordenado por Édis Milaré, RT, São Paulo, 1995.
15 Ação Civil Pública, p. 192, 8a. edição, RT, São Paulo, 2002.
16 Direito, Retórica e Comunicação, p. 38-39, nota 83, 2a. edição, editora Saraiva, São Paulo, 1997.
17 Manual de Direito Processual Civil, 3o. v., p. 21, 9a. edição, editora Saraiva, São Paulo, 1987.
18 Cf. Dirceu A. Victor Rodrigues, Brocardos Jurídicos, p. 180, editora Saraiva, São Paulo, 1953.
19 Se o juiz pode, desde logo, emitir provimento definitivo de mérito (CPC, artigo 330, incisos I e II), nesse caso, por toda a evidência, o ato decisório que veicula esse provimento não é medida liminar, mas verdadeira sentença, considerando o efeito a que objetiva (julgamento definitivo da lide). Equivocada, com todo o respeito, a idéia daqueles que, como Luiz Guilherme Marinoni, sustentam que se poderia utilizar nessa hipótese a técnica da tutela antecipada final. Lembre-se, porque de relevo, que o CPC brasileiro adotou o conceito de Carnelutti sobre “lide”, que se caracteriza, como é cediço, por representar um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, ou insatisfeita. Assim, se a cada lide corresponde uma pretensão, na cumulação de demandas haverá tantas lide quantas forem as pretensões formuladas, a ensejar que o juiz possa, em diversos momentos processuais, decidir cada lide separadamente, proferindo sentença.
20 A Reforma da Reforma, p. 91, 3a.edição, Malheiros editores, São Paulo, 2002.
21 “Medida Cautelar Civil Pública”, artigo publicado em “Medidas Cautelares – Estudos em homenagem ao Professor Ovídio Baptista da Silva”, páginas 69-82, Sérgio Antonio Fabris editor, Porto Alegre, 1989.
22 Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 250, 17a. edição, Forense, Rio de Janeiro.
23 Tutela Inibitória, p. 36, RT, 1998, São Paulo.
24 Cf. Comentários ao Código de Processo Civil, v. VIII, tomo I, p. 18, Forense, Rio de Janeiro, 1984.
25 “Do Processo Cautelar”, p. 3.
26 Cf. Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação Civil Pública, p. 204, 6ª edição, RT.
27 Cf. Giovanni Verde, Il Processo Cautelare, p. 39.
28 Cf. Hugo Nigro Mazzilli, Ação Civil Pública, Revista dos Tribunais v. 690 (abril de 1993), p. 277-279.