DIREITO AO ESQUECIMENTO

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

28ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB COLISÃO. AUTOR QUE ALEGA TER SUPORTADO A INSTAURAÇÃO DE UM PROCESSO-CRIME DE MACIÇA DIVULGAÇÃO, E QUE SEU NOME CONTINUA A SER ASSOCIADO ÀQUELE EPISÓDIO EM VIRTUDE DA INDEXAÇÃO DE SEU NOME, O QUE ENTENDE DESATENDER AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS QUE PROTEGEM A SUA INTIMIDADE E VIDA PRIVADA, PRETENDENDO, POIS, QUE SE FAÇA EXCLUIR QUALQUER REFERÊNCIA A SEU NOME EM RELAÇÃO ÀQUELE PROCESSO-CRIME OU ÀQUILO QUE A ELE RELACIONADO, RESSALVANDO O AUTOR QUE COM A EXCLUSÃO APENAS DE SEU NOME – MANTIDO O REGISTRO DO EPISÓDIO – A MATÉRIA CONTINUARÁ PRESERVADA, NÃO SE TRATANDO, PORTANTO, DE APLICAR-SE O DIREITO AO ESQUECIMENTO. SENTENÇA QUE DESACOLHEU AS PRETENSÕES.

APELO INSUBSISTENTE. CONFLITO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À PROTEÇÃO DA INTIMIDADE E DA VIDA PRIVADA QUE CONTA COM PREVISÃO CONSTITUCIONAL, TANTO QUANTO CONTA O DIREITO DE INFORMAÇÃO. CONFLITO DE INTERESSES QUE SE DEVE SOLUCIONAR PELA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE E SUAS FORMAS DE CONTROLE, EM ESPECIAL A PONDERAÇÃO ENTRE OS INTERESSES EM CONFLITO, PELA QUAL SE PODE AFERIR DAS POSSIBILIDADES JURÍDICAS IMPOSTAS POR CADA UM DOS DIREITOS SOB COLISÃO.

PREVALÊNCIA DA POSIÇÃO JURÍDICA DAS RÉS NO CONFLITO EM QUESTÃO, CONSIDERANDO QUE AS INFORMAÇÕES SÃO PÚBLICAS E DE INTERESSE PÚBLICO, CONSIDERANDO SE TRATAR DE UM EPISÓDIO COM GRANDE REPERCUSSÃO.

LIBERDADE DE INFORMAÇÃO QUE DEVE SER INTEGRALMENTE PROTEGIDA, COMO EXIGE A PROTEÇÃO AO INTERESSE PÚBLICO, E MAIS QUE ISSO A PROTEÇÃO AO REGIME DEMOCRÁTICO E AO ESTADO DE DIREITO. INFORMAÇÃO QUE DEVE SER A MAIS COMPLETA POSSÍVEL, A TERMO QUE NÃO SE POSSA MODIFICAR A REALIDADE, COMO SE UMA OUTRA REALIDADE – UMA FICÇÃO – PUDESSE SURGIR, EM FACE DA QUAL O AUTOR TERÁ DEIXADO DE TER SEU NOME DIRETAMENTE ENVOLVIDO EM PROCESSO-CRIME, COMO SE ESSE ENVOLVIMENTO JAMAIS TIVESSE EXISTIDO. PROTEÇÃO À LIBERDADE DE INFORMAÇÃO QUE ATENDE À PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA COLETIVA NAQUILO QUE É DE EFETIVO INTERESSE PÚBLICO.   

SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, COM MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

 

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra r. sentença de fls. 224/228, que em ação de obrigação de fazer e não fazer movida por (…),  em face de  (…), julgou “[…] IMPROCEDENTE o pedido. Condeno o requerente ao pagamento das custas e despesas processuais, corrigidas do desembolso, e honorários advocatícios a cada uma das rés no equivalente a 10% do valor da causa”.

Sustenta o recorrente, em síntese, buscar a desindexação de seu nome a resultados de pesquisa relacionado a investigação conhecida como “(…)”, o que aduz não se confundir com o direito ao esquecimento ou da remoção no conteúdo. Pugna, nesse contexto, seja o presente recurso provido para a reforma da r. sentença.

Tentativa de conciliação prejudicada conforme termo de fl. 348.

Recurso tempestivo, preparado e contra-arrazoado.

FUNDAMENTAÇÃO

O recurso não comporta provimento.

Primeiramente, não subsiste a preliminar de falta de dialeticidade recursal, porque o recurso da parte autora observa os requisitos formais, tendo explicitado o que forma o inconformismo diante do que decidido na r. sentença recorrida.

Instalado nesta demanda um conflito entre direitos fundamentais: de um lado, em favor do autor, o direito à proteção de sua dignidade; doutro, o direito de informação. 

Em face desse tipo de conflito, só há um meio racional para o solucionar, o que passa necessariamente pela aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade. 

Importante observar que não se pode harmonizar as posições em conflito. 

Destarte, analisando as circunstâncias do caso em concreto, amparada em jurisprudência emanada de tribunais de superposição, deve prevalecer o direito à informação, que não poderia, salvo razão excepcional, ser contrastado pelo direito à dignidade daquele cujo nome figura em informações que constam em banco de dados disponíveis na “Internet”, informações que, em tese, são de interesse público e que justificariam ali se mantenham disponíveis para consulta, porque suprimi-las genericamente, sem uma razão especial, seria implementar uma espécie de “direito ao esquecimento”, como equivocadamente se tem denominado esse tipo de situação, quando se trata, em verdade, da proteção ao direito à dignidade humana e do que está enfeixado em seu conteúdo, quando há razão que isso o justifique. 

Tudo para dizer que, conquanto se deva reconhecer o direito subjetivo de matriz constitucional em favor do autor, também se deve reconhecer o direito à liberdade de informação das rés, havendo, pois, um conflito entre posições jurídicas, em face do qual deve prevalecer o interesse materializado em tornar disponíveis ao público informações que, em tese, devem ser públicas, no sentido de que os fatos subjacentes seriam de interesse da coletividade em geral.

Ou seja, ponderando os interesses em conflito, ponderação que permite aferir quais as possibilidades jurídicas que cada direito subjetivo fundamental comporta, é de se concluir que a r. sentença, deve ser mantida.

Com efeito, há que se considerar que o que pretende o autor é a modificação da realidade, ou melhor, a sua obnubilação, na medida em que pretende que surja uma outra realidade, a dizer, uma ficção, em que a história se modifica como em um passe de mágica, deixando de existir o que efetivamente existiu, que foi a sua participação direta em processo-crime de grande repercussão. Suprimir seu nome das pesquisas acerca daquele episódio é destruir a realidade, e com isso a memória coletiva, em cujo seio está um importante predicado da proteção à Democracia e ao Estado de Direito, visto que se deve proteger a liberdade de informação em sua integralidade, sem o que, aliás, não há liberdade em sua essência.  

Por meu voto, nega-se provimento a este recurso de apelação, mantida a r. sentença.

Quanto aos encargos de sucumbência, mantenho o que a r. sentença estabeleceu a respeito, cuidando aplicar o disposto no § 11 do art. 85 do CPC/2015, para majoração dos honorários do patrono do apelado, de 10% a 11% sobre o valor atualizado da causa.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

RELATOR