DESISTÊNCIA DE RECURSO: DIREITO POTESTATIVO
Valentino Aparecido de Andrade
Conquanto manifestada a vontade da parte recorrente em desistir do recurso, o Tribunal pode desconsiderar essa manifestação, deixando de homologá-la para, assim, julgar o recurso? Essa é a questão que foi analisada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, que decidiu que a desistência de um recurso é um ato processual que, por ser unilateral, não depende da concordância da parte contrária, como também não pode ser contrastada pelo Tribunal, ao qual cabe apenas homologar a manifestação de vontade, deixando de julgar o mérito do recurso.
Seja dito de passagem que, na hipótese em que há manifestação de vontade da parte desistindo do recurso que interpusera, o recurso é julgado, tanto que o Tribunal deve homologar a manifestação de vontade, o que significa que está a julgar o recurso. Apenas que não está a julgar o mérito do recurso. É de observar, portanto, a distinção entre julgar um recurso e julgar o mérito desse mesmo recurso. Julgados todos os recursos são.
Voltemos à questão analisada pelo STJ. O recurso é um ato voluntário da parte, à qual a Lei reconhece a liberdade de agir, ou de deixar de agir no processo, reagindo ou deixando de reagir a decisões que lhe sejam desfavoráveis. Daí fixar o artigo 998 do CPC/2015 que o recorrente pode, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Importante sublinhar que essa manifestação de vontade pode ser externada a qualquer momento.
E em se tratando de uma manifestação de vontade que não pode ser contrastada pela parte contrária ou pelo Tribunal, o ato pelo qual a parte recorrente manifesta a vontade de desistir do recurso deve ser considerado como um direito processual de natureza potestativa. Um direito potestativo é, pois, o direito que produz efeitos jurídicos tão logo a manifestação de vontade é firmada, não dependendo da concordância de ninguém. Ou seja, o direito processual à desistência de um recurso é um direito potestativo.
Conclui-se, portanto, que, em face desse direito processual potestativo, não cabe ao Tribunal senão que homologar a desistência do recurso, não podendo qualificar como de litigância de má-fé essa manifestação de vontade.
Com efeito, em se tratando de um direito que o CPC/2015 reconhece à parte, não está a parte que desiste senão que a exercer esse direito e dentro dos limites que a Lei fixa, o que afasta também a possibilidade de que pudesse se qualificar como abuso de direito essa manifestação de vontade.