Processo número 1002824-47.2021
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital
Vistos.
Invoca a autora, (…), estabelecida no Estado do Paraná, a existência de cinco contratos coletivos de seguro de bagagem firmados com uma estipulante (), tendo pago as indenizações aos beneficiários das respectivas apólices, dado que suportaram dano gerado por falha da ré, (…), no dever de zelar pela bagagem despachada, segundo estatui o artigo 734 do Código Civil, alegando a autora que, em tendo ocorrido o sinistro, e tendo pago as indenizações, é-lhe de direito receber da ré o mesmo valor que pagou aos beneficiários dos contratos de seguro, reconhecendo-se que a ré não se desincumbiu da obrigação imposta pelo referido dispositivo legal. Adotado o procedimento comum.
Citada, a ré contestou, sustentando que a autora, ela própria e apenas ela, assumiu o risco inerente ao contrato de seguro e não o pode transferir a terceiro, no caso, à ré, sobretudo quando se beneficiou patrimonialmente com o recebimento do prêmio de seguro, havendo também por se considerar, sublinha a ré, que é inerente à atividade empresarial da autora suportar o risco de que o sinistro ocorra para o indenizar. Obtempera a ré, outrossim, que, reconhecido a sua obrigação de indenizar a companhia de seguro, isso poderia ensejar, por hipótese, existissem outros contratos de seguro firmados com o mesmo beneficiário e isso conduziria a ter que indenizar todas as empresas seguradoras, ainda que houvesse um só contrato de transporte e um só beneficiário, com o que pretende robustecer o argumento de que, não tendo tido conhecimento dos contratos de seguro invocados pela autora, não poderia sua esfera jurídica ser afetada por efeitos decorrentes desses contratos.
Réplica apresentada.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO.
Não há necessidade de se produzirem outras provas além daquelas encartadas a estes autos, de modo que é imperioso julgar-se antecipadamente a lide, como de resto o requereram as partes.
Inexistindo matéria preliminar sob análise, perscrutemos quanto ao mérito da pretensão.
A autora figura como seguradora nos cinco contratos aos quais faz referência na peça inicial. São contratos coletivos de seguro de bagagem, e acerca desses mesmos contratos comprovou a autora ter pago aos respectivos beneficiários a indenização prevista no contrato, de modo que busca nesta ação receber da ré, a quem atribui a causa do sinistro, o mesmo valor que pagou a cada um dos beneficiários.
Admite a ré como fato incontroverso o extravio das bagagens.
Embora não o afirme expressamente na peça inicial, a autora está aqui a exercer o direito de sub-rogação de seus segurados, promovendo com esse objetivo a ação contra a ré, que, segundo a autora, seria a causadora dos sinistros (dos cinco sinistros que ensejaram o pagamento de indenização em cada um dos cinco contrato de seguro). É sobremaneira importante compreender a qualificação jurídica da pretensão de direito material que a autora aqui formula – de sub-rogação –, porque essa qualificação jurídica que definirá o destino desta lide.
Com efeito, estatui o artigo 786 do Código Civil que, “Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano” – o que significa dizer que a autora, em tendo firmado contrato de seguro de bagagem e pago a indenização aos beneficiários, sub-rogou-se nos direitos e ações que as eles competiam, até o limite do valor de indenização previsto no contrato de seguro.
Destarte, os direitos e as ações que os beneficiários teriam, esses direitos e ações foram transmitidos à autora por força do direito de sub-rogação, observando-se, como frisa a norma legal, o limite do valor da indenização prevista no contrato. Poderá ocorrer, portanto, de o valor sub-rogado à autora ser menor que o valor que pagou a título de indenização no contrato de seguro, e esse limite terá que ser observado por imposição de norma legal.
A autora sub-rogou-se, portanto, no direito subjetivo que os passageiros possuíam de receber da empresa aérea uma indenização decorrente do extravio de bagagem, extravio de bagagem que se tornou fato incontroverso.
Acerca do valor da indenização para a hipótese de extravio de bagagem em transporte aéreo, essa matéria tem regulação específica, no caso a Convenção de Montreal, a qual se sobrepõem às normas do Direito positivo brasileiro, de modo que o valor da indenização que aqueles passageiros receberiam, se tivessem demandado contra a ré, seria fixado de acordo com os critérios fixados na Convenção de Montreal, e assim deve ocorrer em relação à autora, sub-rogada naqueles direitos e ações.
O valor da indenização a que faz jus a autora pode eventualmente ser menor do que aquele que pagou a título de indenização pelo contrato de seguro, porque os critérios fixados pela Convenção de Montreal podem ser diferentes daqueles adotados no contrato de seguro firmado pela autora. Mas em sendo maior, a indenização deverá ser limitada ao valor que foi pago em função do contrato de seguro, conforme determina a norma legal que cuida da sub-rogação em contrato de seguro.
Tudo para dizer que a autora, na condição jurídica de sub-rogada, possui o direito de receber da ré o valor da indenização por extravio de bagagem, quantificado esse valor de acordo com os critérios da Convenção de Montreal. Mas não possui o direito de receber essa indenização além do limite da indenização que pagou aos beneficiários dos contratos de seguro mencionados na peça inicial.
Poder-se-ia considerar que a autora, em tendo omitido tratar-se de um direito de sub-rogação, dado que pretende receber o integral valor da indenização paga, sendo essa, pois, a causa de pedir, teria que suportar a improcedência do pedido, e assim deveria ocorrer não fosse a novel regra do artigo 322, parágrafo 2º., do CPC/2015, que determina seja a interpretação do pedido feita de acordo com o conjunto da postulação, observando-se sobretudo o princípio da boa-fé, de sorte que, analisando o pedido sob essa ótica, não havendo razão para não se reconhecer à autora a boa-fé, julgo procedente o pedido para lhe reconhecer o direito de sub-rogação no valor que os passageiros em questão, beneficiários do contrato de seguro, receberiam da ré pelo extravio de bagagem, observadas as regras específicas fixadas Convenção de Montreal para a fixação do valor da indenização, ressaltando-se que o valor a ser recebido pela autora limita-se àquele valor que pagou como indenização aos beneficiários dos contratos de seguro mencionados na peça inicial. Esse é o valor-limite, portanto.
Não há neste momento como se quantificar o valor da indenização segundo as regras da Convenção de Montreal. Em liquidação por arbitramento, apurar-se-á esse valor.
Quanto ao que aduz a ré no sentido de que, existindo vários contratos de seguro fixados pelo mesmo passageiro, poderia ser obrigada a pagar tantas indenizações quanto fosse o número de contratos de seguro, essa argumentação não prevalece porque a ré olvida de um aspecto importantíssimo e que radica exatamente na essência do direito de sub-rogação, dado que como a sub-rogação, uma vez feita a uma empresa seguradora pelo beneficiário, obstaria qualquer outra, bastaria a ré objetar com o pagamento do valor sub-rogado para se desobrigar de outras indenizações.
POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido, reconhecendo a condição jurídica da autora de sub-rogada nos direitos e ações da titularidade originária dos beneficiários de contrato de seguro mencionados na peça inicial, condenando-se a ré a pagar à autora indenização por extravio de bagagem, limitando-se esse valor àquele que foi pago pela autora a título de indenização em cada um dos cinco contratos de seguro em questão nestes autos, apurando-se esse valor em liquidação por arbitramento. Declaro extinto este processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno a ré no reembolso à autora do que foi por ela despendido com a taxa judiciária e despesa processual, com atualização monetária a partir do respectivo desembolso. Condeno a ré também no pagamento de honorários de advogado, estes fixados por apreciação equitativa, tendo em visto não haver como se quantificar, neste momento, o valor da indenização por sub-rogação. Assim, por apreciação equitativa, e considerando o valor máximo que a condenação poderá atingir, ou seja, o valor atribuído à peça inicial, fixo os honorários de advogado em R$1.000,00 (mil reais), com atualização monetária a partir desta data.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 25 de junho de 2021.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO