DANO MORAL REFLEXO. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO. PLANO DE SAÚDE

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO QUE VERSA SOBRE OCORRÊNCIA DE SUPOSTO DANO REFLEXO EM CONTEXTO DE PLANO DE SAÚDE. RELAÇÃO JURÍDICO-MATERIAL QUALIFICADA COMO DE CONSUMO. AUTORA QUE TIVERA A SUA ILEGITIMIDADE RECONHECIDA EM V. ACÓRDÃO DESTA COLENDA CÂMARA, MAS QUE OBTEVE PROVIMENTO A RECURSO QUE INTERPUSERA, JULGADO PELO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUE ASSIM RECONHECEU A SUA LEGITIMIDADE PARA A CAUSA.
AUTORA QUE SUSTENTA TER SUPORTADO DANOS PSICOLÓGICOS DECORRENTES DA SITUAÇÃO DE MENOSCABO A QUE A SUA FILHA FORA EXPOSTA PELA RÉ, QUANDO A ELA SE NEGOU COBERTURA CONTRATUAL. DANO MORAL RECONHECIDO EM FAVOR DA FILHA DA AUTORA, JÁ OPERADO O TRÂNSITO EM JULGADO NESTE PROCESSO QUANTO À ESSA MATÉRIA.
DANO MORAL REFLEXO QUE, A DESPEITO DE LONGA HESITAÇÃO DE NOSSA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA, CONTA HOJE COM PLENO RECONHECIMENTO. INSTITUTO DA “PRÉJUDICE D’AFFECTION” QUE É DA TRADIÇÃO DO DIREITO FRANCÊS, RESULTADO DE ANTIGA CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL, E QUE, ESSÊNCIA, CONSTITUI A AZADA FORMA PELA QUAL SE DEVE REPARAR O “DANO POR AFETO”, EM QUE É COMUM A DOUTRINA FRANCESA UTILIZAR-SE DO SUBSTANTIVO “RICOCHET”, NO SENTIDO DE BEM DEMONSTRAR A IDEIA MOTRIZ QUE SUBJAZ NESSE TIPO DE REPARAÇÃO CIVIL, EM QUE UM DANO PRODUZ EFEITO INDIRETO OU REFLEXO, ALCANÇANDO A ESFERA JURÍDICA DE OUTRA PESSOA, QUE MANTÉM COM O OFENDIDO UMA RELAÇÃO DE AMOR, AMIZADE E DE AFETO, SUPORTANDO DANOS QUE, CONQUANTO PERSONALÍSSIMOS (A DOR É SUBJETIVA E AFETA A CADA PESSOA DE UMA MANEIRA TODA PARTICULAR), DEVEM GERAR REPARAÇÃO.
AUTORA QUE VIVENCIOU DE PERTO A ACENTUADA AFLIÇÃO SUPORTADA POR SUA FILHA EM 2010, QUANDO ACOMETIDA DE FORTES DORES NA REGIÃO ABDOMINAL, PROCUROU ATENDIMENTO MÉDICO, TENDO-LHE SIDO NEGADA PELA RÉ A COBERTURA CONTRATUAL, MUITO EMBORA HOUVESSE UMA SITUAÇÃO DE URGÊNCIA MÉDICA, CARACTERIZADA EM UM QUADRO DE APENDICITE, COM INTERNAÇÃO EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA E CIRURGIA.
NEGATIVA DE COBERTURA CONTRATUAL QUE OBRIGOU A AUTORA E SUA FILHA A BUSCAREM ATENDIMENTO MÉDICO JUNTO AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DEMORA NO ATENDIMENTO QUE FEZ COM QUE A FILHA DA AUTORA SUPORTASSE DANOS ESTÉTICOS, ALÉM DE OUTROS CONSIDERÁVEIS DANOS, COM OS QUAIS A AUTORA TAMBÉM VIVENCIOU, SUPORTANDO-OS INDIRETAMENTE COMO GENITORA.
DANO MORAL QUE, NESSE CONTEXTO, FOI RECONHECIDO EM FAVOR DA FILHA DA AUTORA, COMO O DEVE SER AQUI RECONHECIDO EM FAVOR DA AUTORA, ATINGIDA REFLEXAMENTE EM SUA ESFERA JURÍDICA POR EFEITOS REFLEXOS GERADOS PELA DOR, ANGÚSTIA E AFLIÇÃO EXPERIMENTADAS POR SUA FILHA.
DANOS MORAIS QUE DEVEM SER FIXADOS COM BASE EM CRITÉRIOS QUE A JURISPRUDÊNCIA AO LONGO DO TEMPO ENGENDROU E QUE TÊM UMA DUPLA FINALIDADE: A DE QUANTIFICAR, TANTO QUANTO POSSÍVEL, A EXTENSÃO DA DOR SOFRIDA, E AINDA A FINALIDADE DE GERAR NO OFENSOR A CONVICÇÃO DE QUE DEVA CUIDAR MELHOR DOS SERVIÇOS QUE PRESTA, HAVENDO AÍ UM CARÁTER PEDAGÓGICO COM O QUAL O DIREITO POSITIVO BRASILEIRO VÊ A REPARAÇÃO POR DANO MORAL.
DANO MORAL FIXADO EM DEZ MIL REAIS, CONSIDERANDO AS CARACTERÍSTICAS E PECULIARIDADES QUE ENVOLVEM O DANO REFLEXO NAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO PRESENTE.
SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO PARA RECONHECER EM FAVOR DA AUTORA O DIREITO SUBJETIVO À REPARAÇÃO POR DANO MORAL REFLEXO NO PATAMAR DE DEZ MIL REAIS, COM CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, SEM A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra r. sentença que, reconhecendo a ocorrência de dano moral reflexo, condenou a ré a pagar à autora dano moral da ordem de cinco mil reais, interposto o recurso de apelação pela autora com a finalidade de que se majore esse valor.
Recurso que, julgado por esta Colenda Câmara, não fora conhecido em razão de se ter reconhecido a ilegitimidade da autora, que, contudo, obteve provimento a recurso que interpusera, julgado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, que, assim, reconheceu a legitimidade da autora, impondo-se a necessidade de se avançar até o mérito da pretensão recursal, o que se faz aqui.

FUNDAMENTAÇÃO
O recurso de apelação deve ser provido, reformada a r. sentença para que se reconheça o direito subjetivo da autora à reparação por dano moral reflexo.
Devemos sublinhar que se trata de uma relação jurídico-material de consumo aquela em que está inserida a autora, de maneira que os danos morais reflexos devem ser analisados nesse mesmo contexto fático-jurídico, como também devemos observar que a filha da autora teve reconhecido nesta ação e de maneira definitiva o direito à reparação por dano moral, de modo que os danos morais reflexos devem assim ser examinados.
É da tradição do direito francês, resultado de antiga construção jurisprudencial, o instituto da “préjudice d’affection”, que poderíamos traduzir por “dano por afeto”, em que é comum a doutrina francesa utilizar-se do substantivo “ricochet” para demonstrar a ideia motriz que subjaz nesse tipo de reparação civil, em que um dano produz um efeito indireto, reflexo, alcançando a esfera jurídica de outra pessoa, que mantém com o ofendido uma relação de amizade e de afeto, suportando danos que, conquanto personalíssimos (a dor é subjetiva e afeta a cada pessoa de uma maneira toda particular), devem ser reparados.
Durante longo tempo houve hesitação da doutrina e jurisprudência brasileiras quanto ao reconhecimento do dano moral reflexo, e como principal causa dessa hesitação estava a incorreta compreensão do que forma a essência do dano moral reflexo, confundido muitas vezes com a legitimação ativa concorrente para a responsabilidade civil, em que um mesmo dano moral atinge mais de uma pessoa, todas legitimadas e com direito subjetivo à reparação. O dano moral reflexo, contudo, não pode ser confundido com essa situação.
Com efeito, enquanto na legitimação ativa concorrente há um só fato que produz efeitos sobre a esfera jurídica de mais de uma pessoa, de maneira que há um só contexto em que o dano surge, no dano moral reflexo os contextos são diversos em consequência de existirem duas fontes que o produzem: uma fonte remota que é o dano originário, e uma fonte próxima, que consiste na relação de amor, amizade e afeto que liga o ofendido àquele que busca a reparação pelo dano reflexo, de maneira que o dano moral produz, por extensão, efeitos, alcançando a esfera jurídica de outra pessoa, além da do ofendido no contexto inicial.
Exatamente o que se configura nestes autos, em que a autora vivenciou de perto as vicissitudes pelas quais sua filha passou, quando se lhe negou a cobertura em contrato de plano de saúde, malgrado estivesse ela, a filha da autora, a sofrer de fortes dores abdominais, em um quadro de urgência clínica, depois diagnosticado como apendicite, o que obrigou a filha da autora a buscar atendimento junto ao sistema único de saúde, havendo um atraso no atendimento que gerou importantes efeitos na saúde da filha da autora, mas também na própria autora, submetida, tanto quanto a sua filha, a um desgastante quadro de dor e de angústia, gerado pela desproporcional negativa da ré à cobertura contratual, que era imprescindível fosse prestada diante de um quadro de urgência médica.
A filha da autora foi submetida a uma cirurgia depois de ficar por três dias em unidade de terapia intensiva, e permaneceu internada por quinze dias, tempo que fez subsistir e alimentar a dor e a aflição, atingindo de perto a autora, que desde o início acompanhou a filha em uma verdadeira via-crúcis, buscando um tratamento médico de urgência, supondo que não se lhe negaria a cobertura contratual, mas o que infelizmente não ocorreu.
Diante desse cenário, está patente que a autora suportou danos morais reflexos, gerados pelo acompanhamento de perto às vicissitudes pelas quais sua filha passava, suportando a autora a dor, não a mesma dor de sua filha, mas a dor de ver um parente próximo submetido a um grave problema de saúde, e que se tornou ainda mais grave em face da demora na obtenção de tratamento médico adequado e de tudo quanto ocorreu nesse contexto.
O dano moral reflexo, como aqui visto, possui uma fonte remota, que, no caso em questão, radica no lamentável episódio que envolveu a negativa de cobertura contratual, na busca por tratamento emergencial no sistema único de saúde, no delicado quadro de saúde que então se diagnosticava, o tempo de internação, inclusive em unidade de terapia intensiva, até mesmo no fato de a filha da autora ter perdido o emprego em virtude de um longo período de afastamento. Tudo isso compõe a fonte remota do dano moral reflexo.
E a fonte próxima do dano moral reflexo está diretamente na dor que a autora suportou, ao acompanhar de perto a fragilidade da sua filha, colocada em situação de desespero quando se lhe negou o tratamento médico para um quadro clínico que era de emergência. É evidente a dor de uma mãe diante desse cenário, que se vê sem meios de poder prestar ajuda à sua filha.
Destarte, está caracterizado o dano moral reflexo, e deve ser quantificado com base nos critérios engendrados pela jurisprudência brasileira para a recomposição de dano moral, cuja finalidade no direito positivo brasileiro é dupla, na medida em que o dano moral busca quantificar, tanto quanto possível, a dor suportada pelo ofendido, além de gerar no ofensor a convicção de que deva cuidar melhor do serviço que presta, sendo essa também a finalidade de reparação por dano moral.
Pois bem, atendendo às circunstâncias e peculiaridades do caso presente, e com base nos critérios que a jurisprudência erigiu, fixo em dez mil reais a reparação por dano moral à autora, com atualização monetária e juros de mora segundo o termo inicial que a r. sentença fixou.
Por meu voto, dou provimento ao recurso de apelação interposto pela autora, reconhecendo-lhe, pois, o direito subjetivo à reparação por dano moral, tal como aqui fixada.
Adota-se o regime de sucumbência estabelecido na r. sentença, sem aplicar a regra do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015, considerando que a r. sentença foi publicada ao tempo em que estava em vigor o CPC/1973, de maneira que, segundo as regras do direito intertemporal, o regime de sucumbência deve ser aquele em vigor à ocasião.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR