INTERPRETAÇÃO E USO DOS TEXTOS JURÍDICOS
Valentino Aparecido de Andrade
É conhecida a profunda aversão que os juristas em geral têm diante da Sociologia, o que talvez explique o receio dos juristas quando se veem obrigados a ler os livros de NIKLAS LUHMANN, que ainda é relativamente aceito no mundo do Direito porque, afinal, é um jurista.
Mas há uma aversão ainda maior dos juristas pela Semiologia. Suponho que esteja aí uma causa não muito evidente e que por isso escapa à percepção da maioria. É que a Semiologia traz uma incômoda verdade aos juristas, quando enfatiza, sobretudo com UMBERTO ECO, que se deve fazer uma distinção entre “interpretar” um texto ” e dele “fazer um uso”, coisas essencialmente diferentes.
Interpretar um texto é extrair seu conteúdo, seu objeto e os limites que o próprio texto impõe àquele que o interpreta. Usar de um texto é desrespeitar esses limites, a ponto mesmo de ignorar qual terá sido a intenção do texto.
Com efeito, aos juristas, e sobretudo aos operadores do Direito desagrada a ideia de que tenham que observar que exista uma intenção na norma legal, porque a existir essa intenção, teriam que observá-la. Melhor, pensam os juristas e os operadores do Direito, é que não haja limites, senão que aqueles que eles mesmos criem conforme seus próprios interesses.
Sabe-se assim porque o enunciado de uma norma legal pode ter um número quase ilimitado de “interpretações”, porque o jurista e operador do Direito não estão a interpretar a norma legal, senão que dela fazendo um uso, um uso conforme seus interesses.
Se formos à jurisprudência, veremos quão dispares podem ser as interpretações acerca de uma mesma norma legal, cujo enunciado é tão evidente que, aos olhos de um leigo, impressiona pudesse comportar tantos mistérios que só os juristas e os operadores do Direito poderiam mesmo decifrá-lo. Afinal, a interpretação jurídica dizem alguns é uma arte.
É o que explica que um princípio como o da boa-fé possa ser “interpretado” de uma maneira tão elástica que possa abarcar em seu conteúdo até mesmo a má-fé, como o princípio da moralidade possa abranger situações que são evidentemente imorais. É que não se trata de interpretação, senão que de um uso que se está a fazer de uma norma legal.
Pode-se assim compreender os riscos que estão envolvidos quando um Código de Processo Civil, como o nosso de 2015, adota a técnica das teses jurídicas vinculantes, ou seja, de aplicação obrigatória. O conteúdo dessas teses jurídicas pode ser o resultado não de uma legítima interpretação das normas legais, mas de seu uso.