AUMENTO NO NÚMERO DE MINISTROS DO STF

AUMENTO NO NÚMERO DE MINISTROS DO STF
Valentino Aparecido de Andrade

Há um núcleo essencial sob proteção intensa em nossa Constituição? Em caso de existir, como ele se configura em seu conteúdo e alcance, ou seja, o que pode ser modificado, e em que grau essa modificação pode ocorrer? De que princípios devemos nos utilizar, se queremos saber o que podemos ou não alterar no texto constitucional? São essas as principais questões que estão envolvidas quando se pretende modificar uma constituição. E são essas mesmas questões que devem ser analisadas no tema que, quase que por acaso, surgiu agora entre nós, quando há uma proposta (ainda no terreno da mera abstração) quanto a se ampliar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, de onze para quinze ministros.

Alguns juristas (não necessariamente constitucionalistas) logo trataram de dizer que essa mudança arrostaria a proteção emanada da “cláusula pétrea”, interferindo na divisão dos poderes, e que por isso a pretendida mudança é inconstitucional. Analisemos o tema.

E começamos por lembramos ao leitor, sobretudo aquele mais moço, de um livro que, conquanto devesse ter se tornado um clássico, está deveras esquecido, encontrado, quando encontrado, em sebos. Refiro-me ao livro de LÊDA BOECHAT RODRIGUES, sob o título “História do Supremo Tribunal Federal”, publicado pela editora Civilização Brasileira, composto por ricos volumes que percorrem toda a história de nosso mais importante tribunal. Por esse precioso livro, o leitor ficará a saber como surgiu a ideia de nosso Supremo Tribunal Federal e de como ele foi moldado, como também tomará conhecimento das inúmeras vicissitudes pelas quais passou na sua longa e algo acidentada história, desde quando instalado no distante 28 de fevereiro de 1891.

E percorrendo as páginas de “História do Supremo Tribunal Federal”, perceber-se-á como está presente a todo o tempo a séria dúvida se seria melhor que nós o transformássemos em uma típica corte constitucional, nos moldes como esse tipo de corte funciona na Alemanha por exemplo, ou se o deveríamos manter como foi pensado à luz da Suprema Corte dos Estados Unidos, funcionando como um tribunal de última instância recursal, mas ao mesmo tempo executando o controle da constitucionalidade das leis, como faz uma corte constitucional.

Quanto ao número dos ministros, veremos que o Supremo Tribunal Federal tivera, em sua primeira composição, catorze ministros, logo aumentada para quinze, sendo certo que um Decreto de 1931 permitira que o número fosse elevado até dezesseis, e esse numero foi efetivamente aumentado pelo Ato Institucional 2, de 1965, número que foi mantido pela Constituição de 1967. Mas em 1969, por força do Ato Institucional 6, o número foi reduzido a onze, e esse número foi mantido pela Constituição de 1988.

Trata-se, portanto, de um número fixado na década de setenta, quando o país tinha cerca de noventa e três milhões de habitantes, quando a sua economia era ainda incipiente, quando seu sistema bancário inexistia, e quando a sociedade era muito, muito menos complexa e diversa do que é hoje, e sem o pluralismo de ideias que felizmente temos hoje. Já havia a grande imprensa, mas não havia nenhuma editoria especializada no Poder Judiciário, e o mesmo sucedia com as revistas nacionais que começavam a circular, caso da “Veja”, da “Isto É”, as quais simplesmente desconheciam o Poder Judiciário, como também desconheciam como atuava o Supremo Tribunal Federal.

No campo do Direito, na década de setenta não se falava no Brasil do princípio da proporcionalidade (ainda hoje um ilustre desconhecido!); as normas constitucionais eram tidas como normas intocáveis, e não se conheciam os ministros pelo nome, como acontece hoje, em que não constitui surpresa que um cidadão comum sabia melhor o nome dos ministros do Supremo Tribunal Federal que o nome dos jogadores da seleção brasileira. O Supremo Tribunal Federal tornou-se um tribunal presente no dia-a-dia das pessoas comuns, e isso não se deve apenas ao trabalho da imprensa e das redes sociais, senão que à compreensão de quão importante esse tribunal é na vida das pessoas.

Costumam, os operadores do Direito, chamar de “Tribunal da Cidadania” o Superior Tribunal de Justiça, e a denominação é apropositada, como mais apropositado é chamar o Supremo Tribunal Federal também com esse nome – o verdadeiro “Tribunal da Cidadania” – porque é ele o responsável por extrair das normas constitucionais o conteúdo dos direitos fundamentais.

Toda constituição de um Estado de Direito cria e deve manter um espaço de proteção absoluta, que os constitucionalistas denominam de “núcleo essencial”, como o faz o grande constitucionalista português, GOMES CANOTILHO em seu consagrado livro “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”. Diz o mestre que, como existe e deve existir um núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias que não pode, em caso algum, ser violado, existe a compasso um princípio: o da salvaguarda do núcleo essencial, cujo conteúdo deve ser extraído a cada modificação que se queira realizar, analisado o momento histórico em que isso esteja a ocorrer, porque o Direito positivo (e a Constituição é direito positivo) varia conforme o tempo, e não se pode pretender que um texto constitucional continue imutável para todo o sempre, porque essa ideia de há muito foi abandonada pelos constitucionalistas, não porque a quisessem largar, mas porque a sociedade isso lhes impôs, não dando a eles uma outra solução que não a de aceitarem que, sobretudo na sociedade pós-moderna, a constante mudança é um valor fundante. Quem não aceita as mudanças, ou a elas resiste, é simplesmente desconsiderado, e o Direito, como uma superestrutura sabe que não pode ficar contra a realidade.

Considere-se o núcleo essencial de uma constituição sob uma perspectiva objetiva ou subjetiva, e são essas as duas teorias jurídicas que foram engendradas pelo Direito para definir o conteúdo do princípio da salvaguarda do núcleo essencial, o fato é que o Direito deve supeditar seu conhecimento da sociedade com o que outras ciências podem lhe dar, como a Sociologia, em cujo campo se instalou de há muito, com o americano PARSONS, o estudo dos sistemas sociais, transportados depois ao campo do Direito por LUHMANN, dando-se conta os sociólogos de como o Direito precisa assinalar as constantes mudanças ocorridas na sociedade, sem o que perde a sua eficácia social, que, por sinal, é eficácia que realmente importa.

De tudo o que foi dito, podemos concluir que é sim o caso de pensar se, em se tendo tornado a nossa sociedade, a sociedade brasileira mais plural e mais complexa, não há a necessidade de o número de ministros ser ampliado, para que esse mesmo pluralismo de ideias e de visões do mundo atual possa se revelar presente na composição do Supremo Tribunal Federal, o que constitui, em essência, uma proteção mais adequada aos direitos fundamentais, vistos sob novas perspectivas, o que só por si demonstra que o aumento do número de ministros, em lugar de enfraquecer o Estado de Direito, torna-o mais consistente.