IMUNIDADE TRIBUTÁRIA CONFERIDA A TEMPLOS RELIGIOSOS

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA CONFERIDA A TEMPLOS RELIGIOSOS
EXTENSÃO AO ICMS – OPERAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE VEÍCULO

                                      Vistos.

                                      Questiona-se nesta demanda se a imunidade que a Constituição da República prevê em favor dos templos religiosos aplica-se também a operações que esses templos realizam e que se submetem à incidência do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias.

                                      Com efeito, a autora, (…), com sede nesta Capital, adquiriu o veículo descrito a folha 3 e teve reconhecida a imunidade quanto ao recolhimento do IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotores, mas não a teve reconhecida para o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias, sustentando nesta demanda que ajuizou contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO que também em relação a esse imposto a imunidade aplica-se, pugnando, pois, pela condenação da ré a restituir-lhe o que recebeu por conta desse tributo. Adotado o rito ordinário, segundo o Código de Processo Civil então em vigor.

                                      Está a peça inicial instruída com a documentação de folhas 8/24.

                                      Gratuidade concedida (folha 26).

                                      Citada, contestou a ré, argumentando que o regime jurídico-legal da imunidade tributária é integrado por hipóteses que a Lei expressamente prevê e dentre elas não há nenhuma que tenha um caráter subjetivo puro, ou porque exigem um fato puramente objetivo, caso da alínea “d” do artigo 150 da Constituição da República, ou são mistos, como são as demais hipóteses previstas nesse artigo, e que a situação em que está a autora é de ser caracterizada dentre essas, de caráter misto, não bastando que do fato tributável participe uma entidade beneficiada pela imunidade, porque há a necessidade de se considerar também o objeto tributado, que no caso é a operação de circulação de mercadoria, materializada na aquisição pela autora de um veículo, celebrada com terceiro, que não goza da imunidade, de forma que, no entender da ré, a imunidade não se pode aplicar ao regime do ICMS (folhas 31/45).

                                      Réplica as folhas 49/51.

         É o RELATÓRIO.

         FUNDAMENTO e DECIDO.

                                      O julgamento antecipado da lide é medida que se impõe, porque a relação jurídico-material que forma seu objeto é exclusivamente jurídica.

                                      Registre-se que não há matéria preliminar que penda de análise.

                                      Quanto ao mérito da pretensão.

                                      A autora adquiriu o veículo descrito a folha 3, destinando-o ao exercício de suas atividades religiosas, e obteve por isso o reconhecimento da imunidade em relação ao IPVA. Mas lhe foi exigido o pagamento do ICMS incidente sobre a operação que envolveu a aquisição desse mesmo veículo,  cujo valor recolheu. E está nesta demanda a sustentar que a imunidade deveria ser reconhecida também quanto a esse imposto. A ré, contrapondo-se, aduz que o artigo 150, parágrafo 4o., da Constituição da República de 1988 prevê que a imunidade somente se configura quando o patrimônio, a renda ou serviços envolvidos no fato gerador pertençam ao patrimônio da entidade imune, de modo que a imunidade não pode beneficiar a terceiro, com o qual a entidade imunidade tenha realizado uma operação tributável, como ocorre com a autora, que adquiriu de terceiro veículo, não podendo a imunidade beneficiar esse terceiro.

                                      Todavia, não está com razão a ré.

                                      Com efeito, é necessário atentar à dicção do parágrafo 4o. do artigo 150 da Constituição de 1988, porque o texto normativo não diz “pertencer”, mas sim “relacionar-se”, o que permite identificar qual o objetivo do Legislador ao fixar o regime da imunidade para fins tributários. Diz o texto:  “As vedações expressas no inciso VI, “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. Tratando-se, pois, de um bem, sua renda ou de um serviço cuja utilização seja relacionada à execução das finalidades essenciais daquelas entidades beneficiadas pela imunidade, nesse caso não se pode instituir tributo que incida sobre ele (bem, serviço ou renda), porque a imunidade configura-se. Daí que o critério que deve nortear o intérprete é o da finalidade da  utilização do bem, renda ou serviço, e não de quem ele seja adquirido ou quem o tenha prestado (no caso do serviço). Tivesse a norma constitucional se utilizado do verbo “pertencer”, e a argumentação da ré estaria correta, no sentido de que a imunidade somente poderia se configurar quando o bem, a renda ou o serviço já pertencesse ao patrimônio da entidade (a dizer, antes do fato tributável), o que, aliás,  afastaria a imunidade em quase todos os casos de incidência do ICMS, senão que em todos. Mas a norma constitucional não diz “pertencer”, e sim “relacionar-se”, que é um verbo transito direto e indireto pronominal, empregado pelo Legislador com o seu  sentido mais comum, que é o de indicar a existência de uma relação ou ligação entre coisas ou pessoas, o que no caso da referida norma, quer significar que a imunidade é de se reconhecer quando o fato envolver um bem, uma renda ou um serviço que se destina à execução das finalidades da entidade imunidade, caso em que a imunidade impedirá que se institua tributo sobre essa operação.

                                      O que sobreleva considerar para efeito de imunidade é, portanto,  se há ou não relação de finalidade entre o bem adquirido, a renda usufruída ou o serviço prestado, e as atividades diretas da entidade imune. Havendo essa relação de finalidade, a imunidade configura-se.

                                      Poder-se-ia argumentar que no ICMS o contribuinte é apenas o de direito, ou seja, o comerciante, industrial ou produtor que promove a saída da mercadoria, e que por isso a imunidade não poderia ser reconhecida na operação de circulação de mercadorias, porque a entidade imune, adquirindo a mercadoria, não seria o contribuinte de direito, mas apenas o de fato. Mas em face do que estatui o artigo 166 do Código Tributário nacional, e sobretudo em vista do aspecto financeiro diretamente envolvido nos impostos indiretos, a doutrina e a jurisprudência passaram a considerar  a figura do “contribuinte de fato” na análise da sujeição passiva do ICMS, admitindo, por exemplo, a legitimidade do consumidor de energia elétrica para discutir em juízo acerca da incidência do ICMS sobre serviços que envolvem o fornecimento de energia elétrica. O contribuinte de fato passou, assim, a ser encarado também como contribuinte do ICMS, na mesma condição jurídica, pois da do contribuinte de direito, e não mais apenas como aquele que pagava o preço da mercadoria ou do serviço, como se esse elemento financeiro não fosse significativo para lhe conceder a condição jurídica de contribuinte.

                                      Destarte, tendo se comprovado nos autos que a autora adquiriu veículo para o empregar em suas atividades de templo religioso, como reconheceu o Fisco, tanto que reconheceu a imunidade para o IPVA, tendo a autora suportado o encargo financeiro do ICMS, fato acerca do qual não se controverteu, daí segue que é de se reconhecer o seu direito à imunidade, obstando que o Fisco a tivesse tributado com o ICMS. A ré é condenada a restituir-lhe o valor que recebeu a esse título, com correção monetária contada desde o momento em que o imposto foi recolhido aos cofres da ré, correção monetária computada pelos mesmos índices utilizados pelo Fisco do Estado de São Paulo para cobrança do ICMS em caso de mora.  Incidentes também juros de mora, de um por cento ao mês, a partir do trânsito em julgado desta Sentença.

                                      POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido, declarando a existência de relação jurídico-tributária que reconhece em favor da autora (…), a imunidade, para afastar o poder da ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, de instituir e de cobrar o ICMS sobre a operação que envolveu a aquisição pela autora do veículo descrito a folha 2, condenando a ré, pois, a restituir à autora o que dela recebeu a título desse imposto, com incidência de correção monetária e juros de mora, tal como determinado. Verba não alimentar. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

                                      Beneficiada pela gratuidade, a autora nada despendeu com taxa judiciária e despesa processual, e por isso a ré não é condenada a reembolsar-lhe tais encargos. A ré é condenada apenas no pagamento de honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da atribuído à causa, com correção monetária desde seu ajuizamento.

                                      Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença, que não é de ser submetida a reexame necessário em face do que prevê o artigo 496, parágrafo 3o., inciso II, do novo Código de Processo Civil.

São Paulo, em 22 de julho de 2016.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO